Noturno

Se a lua está crescendo ou minguando, não sei; sei que tornei-me novamente noturno. Não esperava. A lagoa está lá; estão lá as ruas silenciosas e as casas penumbradas. Penumbrado estou, sem nada esperar de fantasmas ou amigos. Velhos camaradas que se foram ou ainda estão por aqui. Pensei que a palavra era bússola no caminho, mas não; silêncio, abismal silêncio sem interrogações ou reticências. Não existe tempo e o tempo está todo aí, no espaço rotineiro das horas. Sou um bárbaro, perdoai, não falo sua língua, não tenho a moeda com que trocam os homens de dia. Também não sei o que querem à noite. Outra noite passou um, bebia; passou outro, cambaleante; um e outro sentado à mesa, e só. Eu, fumando e olhando a lagoa e pensando que eu não sabia se a lua estava crescendo ou minguando. Mas também pouco importa se a palavra, ao invés de essencial, mostrou-se contingente e não foi nem nunca é capaz de guiar-nos na noite. Já não carrego fantasmas, algumas dores talvez; já não ouço sereias, alguma leve presença, certeza de que estou vivo, de que ainda vivo e ainda penso e ainda tenho de viver porque ainda tenho de pensar. Não, não. Mal hábito noturno, notívago sem querer mais duelar com morcegos ou com a palavra para, ao fim, gritar de pavor tamanha a beleza de um saber-se finito na noite, saber-se finito nos ciclos intermináveis da vida. A natureza é mesmo um palco no qual nós, humanos, passamos e é vão querer deixar marcas como também o é não as deixar. Não sei se a lua míngua ou cresce, nesse momento; sei que não habitava a noite há algum tempo.

Pedro Henrique

"Anota aí: eu sou ninguém"

Mais do autor

Pedro Henrique

"Anota aí: eu sou ninguém"