Nesta guerra, o primeiro adversário é a hipocrisia – serviço público de qualidade XXIV

Nessa sequência de textos sempre se fala da qualidade dos serviços públicos. Parece já estar claro para quem os lê que a transparência efetiva da gestão tem um efeito positivo direto a favor do melhor nível de qualidade. Assim como também tem um efeito também positivo e direto a favor do constrangimento (e redução da corrupção). E, claro, num efeito negativo inverso, corrupção alta e baixa qualidade dos serviços prestados à população jogam no mesmo time, do mesmo lado, apoiam-se, ajudam-se.

Isto não é uma tese, é um fato. A experiência de países que que começaram a enfrentar e a resolver há duzentos anos as duas questões (qualidade e transparência na máquina pública), como a Suécia, é prova evidente, internacionalmente aceita e aplaudida. O mais interessante é a consequência do equacionamento das duas questões na Suécia: qualidade de vida para o cidadão e equilíbrio social (leia-se coesão social, as pessoas não desprezam o papel do Estado e não reclamam dos impostos que pagam, entre outras coisas até mais relevantes).

No passado não muito distante, muitos gestores públicos daqui alegavam que prestar contas para a população exigiria estrutura própria de pessoas, de equipamentos e de gastos com terceiros. Não era exatamente verdade. Entretanto, com o passar do tempo esse (digamos) álibi não tem mais sustentação. O sistemas de informação tornados disponíveis e quase gratuitos da internet não permitem mais que se use essa velha mentira. Hoje, a tecnologia da informação, com as redes sociais e com a legislação em vigor, modifica radicalmente o quadro: não há mais desculpas para a falta de transparência, para uma rotina de prestação de contas simples, inteligente, acessível. Hoje, só a má-fé do gestor público explica uma gestão pouco ou nada transparente.

Uma preocupação destes textos é que eles tenham clareza e busquem argumentos simples e diretos, se possível baseados em fatos concretos ou pelo menos evidentes. Afinal, não se pode pedir a um cidadão comum, que passa a vista nestes textos, que se aprofunde em teorias para compreendê-los. Outro cuidado é evitar a fulanização ou a partidarização do que se pretende ser uma discussão apoiada em elementos estruturais, menos condicionada a circunstâncias.

A tentativa que se faz agora é mostrar como, concretamente, um gestor público pode ser transparente ou escolher sabotar a transparência.

Segue-se o relato de três fatos recentes que a imprensa noticiou muito rápida e superficialmente. Três instâncias diferentes de poder, três partidos diferentes, nenhuma conexão direta entre os três. O que eles pretendem mostrar é a diferença objetiva entre o discurso e a prática da transparência, em primeiro lugar. Em segundo, que a questão da transparência é sempre atual e relevante. Em terceiro, que há um vínculo entre transparência e corrupção (pelo menos na corrupção da palavra, do discurso político e da prática administrativa no uso do poder).

Primeiro fato. A mesa diretora do Senado colocou em audiência pública e pretende implantar um Índice de Transparência. Simples, mas bem concebido, aplicável a qualquer casa legislativa (como as mais de cinco mil e quinhentas câmaras municipais e as quase trinta assembleias legislativas estaduais) e útil para a sociedade acompanhar o efetivo grau de abertura e disposição de prestar contas aos brasileiros.

Segundo fato. A Prefeitura da cidade de São Paulo resolveu tornar públicas e disponibilizar na internet todas as mais de seis mil correspondências trocadas entre a Prefeitura e cidadãos que pediram informações e esclarecimentos com base na Lei de Acesso à Informação. A prefeitura não é, por lei, obrigada a isso. Entretanto, fez-se mais transparente do que a lei propõe e exige.

Terceiro fato. O Governo do Estado de São Paulo decretou segredo para os atos que envolvem os organismos estaduais e as empresas acusadas de cartel e conluio lesivos ao erário paulista nos últimos quase vinte anos. A decretação de segredo é a forma permitida em lei para fugir à prestação de contas prevista na Lei de Acesso à Informação. E, claro, o decreto dificulta a investigação dos crimes e o controle social (neste caso um escândalo público imenso).

A questão da transparência e o câncer da corrupção andam juntos, embora em direções opostas, mas a opinião pública pouco percebe que esta é uma guerra contra (principalmente) os chefes do poder executivo (prefeitos, governadores e presidentes). A baixa qualidade dos serviços prestados à população é, em grande parte, consequência da existência de uma e da falta da outra.

Esta é uma guerra que se trava também contra a hipocrisia, diariamente, às vezes irritantemente cansativa (um passo à frente, um passo atrás, um passo para o lado), como se vê pelos três fatos acima.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.