APÓS DESOBRIGAR-ME DO QUE CRITICAMENTE considero um dever cívico, uma obrigação cidadã, [assim é que, tão logo isto se torne possível e eu alcance a plena liberdade em tal mister, pretendo abdicar definitiva e irrevogavelmente desta tão inglória prerrogativa], embora sob o manto constitucional isso equivalha ao exercício da soberania popular, em que todos legalmente aptos a votar participam do processo em igualdade de condições, e, por extensão, à luz da Justiça, signifique a instrumentalização do direito do eleitor, o individual e inalienável direito ao sufrágio, ou seja, à manifestação formal e singular do assentimento – ou não, como diria o bom baiano Caê – de uma proposição (epa!) que legitimamente lhe fora posta sob seu exclusivo escrutínio, eu, ainda questionando, em silêncio catártico, a validade das opções que então se me ofereceram e, recorrentemente – obrigo-me a isso admitir –, têm-se-me oferecido ultimamente, cujos clássicos exemplos, bem recentes, se cingem nas renhidas batalhas nacionais entre a generalona apedêutica e o mineirinho boca suja, com reprise em o capitão mítico e o poste lulista, e avaliando, em meditação contrita, a decisão por mim tomada entre o ruim e o pior, num átimo temporal, os olhos fixos na tela cinza claro de uma urna eletrônica com dois pequenos quadriláteros emparelhados e encimados por uma proposta de finalidade – Para Prefeito –, cobrando-me o simples dedilhar de três teclas e, por trás disso, a assunção da grave responsabilidade pela delegação de poderes a alguém para governar o município no curso do quadriênio vindouro, à mão a chave do cofre sempre prodigioso e à volta o sempre insaciável grupo de apoiadores na silenciosa e permanente disputa pelos melhores quinhões, confiei aos cuidados de familiares a minha eterna parceira que, ao meu estrito sentir e ante um remanescente comportamento arredio, de propensão ao enclausuramento que lhe parece prazenteiro, o qual se vai dissipando lenta e gradualmente, mas ainda deixando transparecer resquícios do que, em passado recente, revelou tratar-se de profunda dependência psicossocial.
Acolheu-a prazerosamente, então, a irmã de mais vivências em sua casa de cativantes aconchegos, onde os parentes costumam reunir-se nesses eventos pontuais para, além de matar saudades que a parafernália eletrônica não consegue sequer amenizar, atualizar os assuntos que mais lhes importam, lhes interessam, intercambiar amenidades que dormitam no âmago de suas espirituosas almas à espera do momento propício – que então se dá – para o desejado rompimento do casulo, bem como dar encaminhamento a incontidos mexericos, os disse me disse que ganham forma em bem urdidos tricoteios e causam sorrisos matreiros que quase não mexem as comissuras labiais. Arrisco-me a dizer que as minhas orelhas não ardem… nunca arderam. Será?!
Assim, cumprida a obrigação, em toda a sua inteireza, e satisfeita a devoção, se não de cunho religioso, de natureza deífica, mas certamente arraigada de humanismo puro, de essência extremamente fraternal, senti-me então livre para mergulhar em vivificantes momentos de introspecção, que me embevecem em doses homeopáticas de reflexão, de reavaliação do real significado da minha existência terreal. Sou, nest’hora, a velha águia que sobe aos píncaros da montanha e, lá no alto, longe de tudo que circunstancialmente lhe molda o jeito de ser, de agir, solitária e decidida, desfaz-se da parte imprestável do desfigurado bico, afia nas rochas, em escarpas pedregosas, as garras já desprovidas de força e jeito para aprisionar, esfolar e estripar as presas que lhe servem de alimento, sofrendo, enfim, o doloroso e inescapável processo de renascimento. Se há cinzas lá, não sei; cá, certamente não as há.
Agora, sozinho [apenas eu e, ainda no comando da nave que tende a abandonar a sua órbita original, o meu Deus verdadeiro e onipresente, em quem confio incondicionalmente], encontro-me bem acomodado no Cantinho Maluju, o meu lugar preferido para vivenciar em plenitude o tão desejado apaziguamento que só a solidão se mostra capaz de me favorecer. De calção apenas, pés descalços e peito nu, nada de cabelos ao vento pois já não os tenho, sento-me – para o saboreio de um prato (marmita de isopor) à base de salada de verduras, arroz à grega e suculento assado de panela, tudo isso regado a suco de graviola e leite – à mesa simples por mim posta propositalmente a um passo talvez da borda da piscina circular, de pouca profundidade, a água de azul celestial convidativa, onde, num passado mais distante, as minhas filhas e, num passado mais recente, os meus netos sempre me brindaram com suas alegrias barulhentas e contagiantes que sempre se transformavam em saborosíssimas taças de felicidade, as quais eu entornava prazerosamente. Se lá, no ontem ora resgatado, a balbúrdia infanto-juvenil me saciava a alma irrequieta de um senhor simples e brincalhão, aqui, no hoje ora experienciado, envolve-me um silêncio ensurdecedor – não se ouve sequer o farfalhar das folhas das mangueiras, goiabeiras, cajueiros, abacateiros e sapotizeiros, muito menos dos altos galhos dos coqueiros, nada de chilreios de pássaros, de zumbidos de qualquer espécie, de ladrar de cães, toda a Natureza submissa a uma letargia que impregna de calmaria absoluta o mundinho que, como o útero materno, ora me envolve, me embala, me acalanta e, enfim, me aquieta, me assossega, me apazigua –, e isso me propicia enlevos de arrebatamentos que fazem a traquejada alma voejar por planos outros de quase impossível descrição. A impressão que me afaga o espírito e satisfaz o corpo carregado de marcas indeléveis de muitas e múltiplas vivências é de que usufruo da tão desejada paz edênica. Que logo se esvairá, com certeza, afinal, como assevera o poeta, a felicidade tem fim, sim. [Viver é perigoso, ó roseano João, mas também é deveras deleitoso, prazeroso!]. Momentos há em que me invadem sensações de que já não mais sou o que verdadeiramente sou. Transubstancio-me, certamente ante a ação incontornável da idade. É a velhice que me cobra específicos cuidados, me exige fuga a exageros, a desatinos, me impõe graves responsabilidades, mas, em compensação, me agracia com percepções mais acuradas, conceitos mais apurados, rigorosos métodos de leitura de mundo, seletos processos de aprendizagem, novas formas de olhar, pensar, sentir, ouvir, agir e reagir. E, nessa aparente confusão, um quase caos, entre a matéria finita que, isolada, pouca valia teria, e o espírito imortal que, diáfano, aguça as minhas impressões sensoriais, o meu todo sensitivo, inquieta-me, de repente, um ditoso pressentimento que logo se pronuncia… inexplicavelmente, já não mais me sinto só.
Como assim? Alguém… Alguém?! Quem?! Ele… Ele?! Sim, ele está aqui. Com certeza. Eu o percebo. Incorpóreo. Espectral. Transitório. Sobrenatural. Transparente. Transluzente. Entendeu ou quer que eu desenhe? Não! Não sei… Não sei como os entendidos do assunto nomeiam tal fenômeno – pra mim, uma simples questão de taxonomia –, explicam-no – talvez um caso de mediunidade não clássico, por assim dizer. Também, na especificidade do momento, o que me importa é que sinto a sua presença e, a bem da verdade, não me disponho a recorrer à bíblica incredulidade de Tomé. Até porque não há chagas a tocar. Ademais, sou Francisco: creio sem ver; santo não pretendo ser. E ele, se, em vida, não conseguiu tornar-se profundo conhecedor da política caucaiense, dos seus tortuosos e impenetráveis meandros, dos seus complexos e inextricáveis arranjos e, mais ainda, dos seus peculiares atores e atrizes, há que se admitir a sua pertinácia, o seu envolvimento, a sua entrega, as pesquisas empíricas, as avaliações arrimadas em dados inquestionáveis (para ele), os argumentos, as ponderações, os prognósticos, as indicações para apostas, os aconselhamentos, os erros e os acertos. Certamente aí reside a razão maior de ora estar aqui comigo. Eu lhe dava ouvidos. Entendia a sua ciência. Respeitava a sua proficiência. [Ali, sob a sombra de uma florida goiabeira, ele prenunciou a vitória – que viria a se confirmar, para a surpresa de muitos – de um jovem ainda principiante na arte de fazer política]. Silente, nada diz; mas eu o compreendo e recolho as suas mensagens sensoriais. Critica-me, com justa razão, por querer encontrar agulha em palheiro. Enfatiza que se trata de um processo humano, demasiadamente humano (aí faz uso, de forma proposital – creio eu –, de expressão recorrente em mim); não se pode, portanto, desejar a perfeição. Alerta-me para o fato de que o Brasil, um país continental, não mais consegue produzir uma liderança autêntica, um estadista na mais plena acepção do termo, que nos faça lembrar Getúlio ou, num âmbito mais restrito, Virgílio. E complementa – Lula poderia ter alcançado esse pódio, mas se deslustrou no bonde da história – para concluir que perde tempo e paciência quem espera surgir aqui, na política local, alguém que se assemelhe a Joaci Pontes ou a Danilo Correia, para quem, independentemente da vertente partidária ou ideológica, o conceito de democracia era amplo, pleno e insofismável, ao qual se submetiam sem arranhar sequer o garbo de líder. Eu quis pôr um pouco de minhas vivências na “conversa”, lembrando haver, logo nos meus primeiros passos como projeto de cidadão caucaiense, mantido contato, por mais efêmero e superficial que tenha sido, com uma brilhante geração de jovens universitários e professores do Luzardo Viana. E aí ele se mostra categórico, persuasivo, enfático: Uma geração que prometia muito, até por conta da convivência, dos exemplos – Valmir, Yara, Zé Airton, dona Corália… Frustrante, na exata medida da expectativa. Muito frustrante!
Antes de evolar-se, faz-me a indagação derradeira: Você ainda se lembra do caso do coronel Boanerges? O que lhe contei aqui mesmo, no seu Cantinho, tão logo se confirmou a inesperada virada de Maria Luíza, a sua preferida, para a prefeitura de Fortaleza? Eu aquiesço: Sim, lembro-me. Como hei de esquecer? Ele, mais uma vez, adverte-me: Pois bem, você ainda carece de muito aprendizado sobre política, que não é apenas dinâmica, mas principalmente surpreendente. Surpreendente, ouviu?! Diz isso e evanesce-se. Agora, sinto-me só novamente. Fecho os olhos. E uma sensação de paz absoluta me causa um agradável relaxamento, um prazer bem específico, nunca antes sentido. Ao abri-los, sou a águia renascida ainda em êxtase: o meu bico (a minha língua), será que o(a) reparei? As minhas garras (as minhas sinapses), o que fiz com elas, renovei-as? De repente, brota da memória quase septuagenária o aludido caso – ou causo – do coronel Boanerges e o fato insólito por ele vivenciado, o qual, recolhido há algumas décadas, longânimes leitoras e leitores, ora disponho-me a contar-lhes.
Consta que havia em pleno sertão paraibano – ou agreste pernambucano; quanto a isso, tenho dúvida – uma cidade de médio porte, com vocação agropecuária, cuja existência secular sempre dependeu dos humores dos Pelágios, uma família sob o jugo de coronéis que, um após outro, mantinham as rédeas do poder pelo voto de cabresto. Boanerges era o ser supremo da vez que, identicamente aos que o antecederam, dispensava a Angicos das Dores – acho que este era o nome da pacata localidade – o tratamento de “capitania hereditária”. Com raízes fincadas na inabalável fé popular, teve origem em fervorosa atitude de seu bisavô que, em pagamento de promessa feita e alcançada pelo pronto restabelecimento da mulher, que estivera às portas da morte em decorrência de graves transtornos pós-parto, mandou erigir, na parte mais elevada da sua extensa propriedade, com limites a perder de vista, uma capela em honra de Nossa Senhora das Dores, então investida na condição de padroeira do lugar, em cujo entorno construiu duas vilas de casas modestas destinadas àqueles que lhe prestavam serviços. Logo, as vilas ganharam ares de povoado, que virou um vilarejo, que cresceu e se tornou distrito, e, com a conquista da emancipação política e o consequente desmembramento, passou a ser cidade. A cidade dos coronéis.
Boanerges, pessedista de primeira hora e atual mandatário, assumiu formalmente os destinos do seu povo em vários mandatos. Além dele, o filho, o genro, o cunhado, o tio da mulher e até o presidente do partido, seu amigo de infância e compadre, todos se investiram desse poder maior, embora as chaves do sistema de comando nunca tenham saído das suas intransigentes mãos. Quando entendeu que o neto Genivaldo já se mostrava capaz de ser o gestor subsequente, apenas comunicou o fato aos familiares e aos mais próximos. Quem teria a coragem de contestar suas intenções, seus desígnios, se a vontade dele tinha força de lei? Embora desconfiassem que o jovem Geninho não dispunha de aptidões para o negócio, todos logo se convenceram de que estava eleito, com apenas um voto: o valioso voto do avô. Era só uma questão de tempo e de cumprimento das formalidades e burocracias, afinal, o chefe exigia que tudo transcorresse na mais perfeita normalidade. Nada de subterfúgios, de maquinações.
Apenas um fato deixou de ser por eles devidamente considerado. Os udenistas, que sempre fizeram uma oposição insignificante, sem brio e sem brilho, despertaram do secular sono letárgico com pressentimentos de que poderiam levar o mandachuva angicano à berlinda ou, na pior das hipóteses, causar-lhe um belo susto. Era um levante perigoso, uma sublevação arriscada, ninguém duvidava disso. Mesmo assim, confiavam na liderança então surgida: um jovem advogado recentemente chegado da capital que, por ter raízes familiares na região, em Angicos das Dores se estabelecera, com propósitos bem mais amplos e robustos que apenas pôr seus ofícios jurídicos à disposição de quem lhe pudesse pagar os honorários. Um novo palanque se erigiu na pacata cidade e um novo discurso, contestatório e revolucionário, mexeu com os brios daquela gente ordeira.
O coronel quis reagir a seu modo, mas logo se convenceu de que não valia a pena. Tratava-se de um outro tipo de inimigo com pretensões de – pelas vias legais, legítimas, aos olhos dos outros – usurpar-lhe o poder, para ele hereditário e vitalício, e aí estava o demérito. Teria de adotar outras estratégias. Convidou todo o seu establishment (no sertão também tinha dessas ingrisias, certamente só não levava rótulo tão pomposo) para uma reunião de emergência na casa grande da fazenda. Do presidente do partido recebeu a informação que mais o incomodou, a de que o pleito estava praticamente perdido, porquanto o poder de convencimento, de persuasão do adversário já causara estragos insanáveis, avançara por quase todos os redutos pessedistas sempre considerados intocáveis. O que fazer, então? Alguém sugeriu que ele assumisse o lugar do neto e virasse o jogo. Não aceitou a proposta. Meditou um pouco e… dispôs-se a revelar a sua estratégia. Antes, mandou chamar o Gabriel de Zé Crisóstomo, mais conhecido naquelas paragens como Biel de Dedé, o melhor vaqueiro e acordeonista da região, carismático, querido e respeitado por quase todos os angicanos. Tão logo o homem chegou, fê-lo sentar-se à outra cabeceira da grande mesa, de frente para ele. Fixou, então, o olhar intimidador no inexpressivo presidente do PTB, um partido nanico que servia ao PSD como adjuvante, lembrado apenas em momentos cruciais como este, ou seja, quando o barco ameaçava fazer água. E o comandante foi direto ao cerne da questão: Compadre Bastião, eis aí o nosso homem. Cuide logo de oficializar a candidatura dele pelo seu partido. Todos nós já vamos sair daqui lançando aos quatro ventos o nome de Gabriel como a terceira via para evitar que Angicos caia nas mãos de aventureiros. Alguma dúvida? Feita a indagação, conferiu detidamente a reação dos seus submissos cabos eleitorais, percebendo, no rosto de cada um deles, um misto de espanto e incredulidade. Encarou, então, o desnorteado Gabriel, o escolhido, que ainda não conseguira entender o porquê de estar ali, sem traquejo nenhum na arte de fazer política, apesar de ter plena consciência de que nada adiantava contrapor-se à vontade do patrão e agora declaradamente padrinho de sua campanha. Procurou demonstrar calma. Ouviu atentamente o que o coronel tinha a lhe dizer. E disse: Seu Gabriel, não alimente qualquer tipo de esperança. A sua candidatura não tem o propósito da eleição, da sua eleição, porque o que permanece em jogo é a eleição de Geninho. [A cada prolação do vocábulo “eleição”, enfatizava-o com a combinação de dois recursos fonológicos: a separação silábica e o alteamento da voz]. Nem você nem ninguém aqui vão deixar de trabalhar para o meu neto. A sua atuação vai ser no sentido de trazer para o nosso curral as reses desgarradas. E nisso, convenhamos, ninguém é melhor que você, que sabe como fazer. Seu adversário particular é o advogadozinho de merda. A sua luta é contra ele. Vai infernizar a vida dele, retirar dele todo e qualquer apoio conquistado, roubar os votos, destruí-lo perante a opinião pública, derrotá-lo, deixando o caminho livre para Geninho, para nós. Para tanto, terá todo o nosso apoio, principalmente o financeiro. Entendeu? O atordoado Biel de Dedé consentiu apenas com meneios de cabeça. A missão era difícil, mas ele daria cabo dela. Arregaçou as mangas e pontuou: Vamos à luta! Finda a reunião, a estratégia logo começou a ganhar corpo.
Seguiu-se uma jornada acirradíssima que quase desborda da legalidade. Os ânimos se exaltaram. A disputa por votos avançou para o corpo a corpo. Geninho chegou a pedir ao avô que o excluísse da refrega. Debalde. Nada de recuos, coisa de maricas. Neto dele tinha de ser muito homem, enfrentar e vencer todos os desafios.
Tenso foi o pleito. As pesquisas de boca de urna davam como certa a vitória pessedista. E o coronel venceria mais uma vez e sairia do embate ainda mais fortalecido. E o “doutorzinho” udenista iria levar uma surra tão expressiva que o faria ir cantar de galo em outras freguesias.
Abertas as urnas, o inesperado, o fenômeno inexplicável. A política, mais uma vez, dava demonstrações de não ser tão somente dinâmica, mas também surpreendente. Com mais da metade dos votos válidos, elegia-se, pela soberana vontade popular, o Biel de Dedé, o Gabriel de Zé Crisóstomo, o melhor vaqueiro e o mais querido acordeonista daquelas paragens.
A estratégia do coronel tendera mais a lhe proporcionar uma vitória de Pirro, porquanto vencera a luta contra o doutor das leis, mas perdera o duelo para um tangedor de bois. Logo ele, um respeitável pê-agá-dê em currais…
O tempo se encarregou de acomodar os sentimentos, de arrefecer os ressentimentos. E a vida retomou o seu curso natural, sob a sagrada proteção de Nossa Senhora das Dores e sob o implacável jugo do coronel Boanerges.
À boquinha da noite, já no retorno do meu Jardim do Éden, sob um céu límpido e estrelado, surpreendo-me com outra novidade. No rádio do carro, jovens analistas políticos procuram desvendar os mistérios que envolveram os dois únicos pleitos cearenses em segundo turno para, assim, entender a lógica dos resultados. E um deles me faz lembrar a “conversa” da tarde. A voz agora recolhida pelos meus ouvidos nada carrega de sobrenatural, talvez até contenha alguma pitada de surrealismo: Com 80,25% das urnas apuradas em Caucaia, confirma-se a virada imprevista e histórica do fortalezense Vítor Valim sobre o tauaense Naumi Amorim.
E eu simplesmente assim reagi: Surpreendente! Deveras surpreendente!
“Não entendemos nada de política, ou o povo não entende nada de governo.” (Frase atribuída a Ernesto Geisel, por Elio Gaspari, em A ditadura derrotada – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014; pág. 464).