Não se faz política e democracia sem imprensa de qualidade – V – por Osvaldo Euclides

Das duas uma: ou os jornalistas da grande imprensa e os responsáveis pela lava-jato são ingênuos ou eles agiram juntos e conscientemente contra a economia e contra a estabilidade do Brasil. Aceitaram agir de forma que poderia prejudicar a economia, o crescimento e o emprego, as finanças públicas, enfim, quebrar o país, e contaram com a ação e a omissão do STF e do Congresso. Não faltaram no devido tempo os avisos e as ponderações de que a força-tarefa estava agindo de forma irresponsável quanto às consequências econômicas de suas ações e de que a imprensa estava cobrindo os eventos de forma espetaculosa e direcionada. Não é preciso destruir a economia para combater a corrupção, os americanos, por exemplo, multam as empresas, punem as pessoas e protegem os negócios e mercados.

Coloque-se no fim de 2013. Para produzir efeitos político-partidários era preciso criar antes um ambiente econômico de crise, um clima de fim de mundo. Isso foi feito já em 2014, ano eminentemente eleitoral, e resultou numa votação apertadíssima em dois turnos. Fato é que em 2014 não havia crise. Havia quase pleno emprego, inflação no limite da meta, não houve recessão, o déficit primário era pequeno, as contas externas estavam em perfeita ordem e a dívida interna seguindo a normalidade. Como o candidato da imprensa não venceu, o resultado da eleição foi rejeitado.

Pois bem, a crise econômica já em 2014 foi “produzida” no noticiário, nas colunas agressivas dos analistas “rotweillers”, na análise dos economistas de mercado e nas campanhas, nas reticências e nas mais sutis insinuações dos jornalistas e âncoras de todos os meios, com destaque para a competentíssima e poderosíssima Rede Globo.

Durante o ano de 2015, a imprensa não dá trégua (sempre foi praxe a trégua pós-eleitoral), a crise “produzida” foi se tornando concreta. São as expectativas ditas racionais. São as profecias que de tão repetidas se autorrealizam. O clima é tão negativo e pessimista que os empresários vacilam, adiam ou cortam investimentos; ao invés de contratar, demitem; o consumidor receia e compra menos; as vendas caem; a inadimplência aumenta; o crédito se retrai… e a arrecadação cai, primeiro no governo federal, depois nos estados e municípios.

Pronto, agora a crise que nasceu “produzida” é concreta, geral e profunda, quando viramos de 2015 para 2016. O que vem depois é isso que aí está.

Como se faz nascer uma crise real? Fácil, se você tem um consenso facilmente construído na mídia e de quebra uma campanha judicial. Pode nascer na estatal de petróleo, a maior empresa do país, com programas de investimento que criavam e mantinham centenas de milhares de empregos e empurravam todo o setor de gás, petróleo e petroquímico, naval e inúmeros outros. Pode se espalhar nas empreiteiras, que afetam a grande obra de engenharia e a construção civil, afetando toda a indústria de cimento, ferro, pisos, azulejos, materiais hidráulicos, ferragens e outros. Só a Petrobrás e a Odebrecht foram levadas a destruir mais de duzentos mil postos de trabalho próprios. Multiplique isso em outras empresas, outros setores e outras cadeias e você terá a taxa de desemprego de hoje. É isso que foi desnecessário para o bom combate da corrupção. Isso foi necessário para o uso moralista da corrupção noutro combate.

Pode-se até dizer que houve avisos aqui e ali, entre os jornais eletrônicos independentes e nas redes sociais. Mas aqueles têm alcance limitado a dezenas ou centenas de milhares de pessoas e estas, as redes sociais, estão limitadas a pequenos grupos e guetos dispersos. Enquanto isso, a gigantesca Rede Globo (que envolve rádios, jornais, blogs, sites, televisões, portais, agências de notícias) alcança diariamente quase todos os duzentos milhões de brasileiros direta ou indiretamente, uma ou várias vezes ao dia, todo dia. A versão da Rede Globo sempre prospera (sem falar que quase ninguém tem coragem política de ficar contra ela e enfrentá-la), as outras mal se põem de pé.

Sem sustentação na comunicação (no jogo regular da indústria da informação, alma e oxigênio do jogo político) nenhuma tese ou proposta política se mantém de pé ou é capaz de prosperar, e as exceções confirmam a regra. O molho e o tempero chegam pela via moral. As campanhas moralistas sempre são bem sucedidas. Claro, porque a corrupção revolta, deixa a todos indignados, tão logo ela é posta em evidência. Não importa se ela esteve sempre presente, se ela é sistêmica e tem o dom de conectar política e economia em todos os níveis, em todos os escalões, em todos os governos e em todos os partidos. A bandeira do combate à corrupção funciona sempre que acionada com inteligência e persistência.

A tese deste texto é que a crise foi “produzida”, atropelando dados, fatos e suas circunstâncias, quando necessário, mas principalmente alimentada, dirigida e ampliada por sua manipulação político-partidária via comunicação.

O que se pode dizer agora que estão a economia e a política no abismo e afundando?

Primeiro, olhar para trás e entender bem o que aconteceu nos últimos três anos. Quem fez o quê, quem ganhou e quem perdeu com isso? Segundo, olhar para o momento e tentar identificar quem está no comando desse processo e prestar muita atenção ao jogo do dinheiro. Terceiro, olhar para o futuro e pensar como estaremos dentro de (digamos) uns cinco anos se o circo presente persistir.

Logo adiante, uma opção deverá ser feita: uma saída da crise pela política e pela via democrática ou a sequência de gambiarras para apenas gerir uma crise sem fim.

A saída da crise pela política, pela democracia, não se faz sem uma imprensa de qualidade. Logo…

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.