Alguns jornais e jornalistas fizeram por merecer e acumularam prestígio e credibilidade junto à população ao longo do tempo por desempenharem razoavelmente bem seu papel de lidar com um bem público, a informação, e com a formação da opinião pública. Aqui e ali, uns e outros perderam-se no caminho e deram uma contribuição inversa, ao traírem a confiança do leitor, do ouvinte, do telespectador, desmerecendo a confiança e reduzindo esse capital intangível. Manipularam a informação, fraudaram o processo de formação da opinião pública.
A comunicação é um negócio muito específico e terminou concentrado em poucas famílias. Isso ocorre regionalmente, ocorre também nacionalmente. Nos Estados, raramente há mais de dois jornais, tradicionais, empresas familiares fechadas. Em nível nacional, a concentração é quase absoluta, quatro famílias controlam quase toda a audiência. Sem concorrência, no momento em que tomaram um partido, essas famílias assumiram um poder desproporcional, perigoso para uma sociedade que se quer equilibrada, que se deseja democrática.
A falta de concorrência se dá por várias razões. O negócio costuma apresentar barreiras de entrada de natureza financeira (ao exigirem grande investimento inicial) e burocrática (as disputas de concessão pública exigem capital político). E se tem barreiras de entrada, o negócio normalmente não tem portas de saída. O empreendimento também costuma exigir um longo tempo para a consolidação e prazos altos mesmo para que se atinja o “break even” (o ponto em que as receitas se igualam às despesas). Considere-se também que a operação exige uma mão-de-obra difícil de recrutar e mais difícil ainda de administrar. Aliás, o negócio da comunicação é especialmente difícil de gerir.
Mas, principalmente conta o fato de que o negócio fica muito exposto e sujeito a oscilações de humores tanto da economia quanto da política. Grandes empresas de comunicação regionais ou nacionais crescem ou desaparecem nas grandes mudanças no mercado e no poder público. Sim, no poder público, porque por mais que se digam liberais e independentes, os meios de comunicação tiveram, têm e terão uma relação próxima e delicada com os governos, seja ao lidar com a informação (a administração pública é a maior fonte de informação), seja ao lidar com eles como clientes (anunciantes, parceiros em projetos, patrocinadores de iniciativas), seja para lidar com eles em questões de financiamento ou tributárias. A relação da imprensa com o poder público é uma história de mil e uma noites.
Não é diferente fora do Brasil, não é diferente nem nas mais avançadas democracias. O negócio da comunicação é proporcional e relativamente concentrado aqui, ali e alhures. Entretanto, como a imprensa é um elemento vital para a conquista e manutenção da liberdade e da democracia, essas sociedades cuidaram de criar leis e estabelecer critérios e limites ao poder dessas empresas. E isso não é sinal de fraqueza do Estado, nem intervencionismo desnecessário, muito menos coisa de “gente da esquerda”. Trata-se de proteger a democracia.
O que aconteceu nos tempos recentes e o que está acontecendo hoje no Brasil é prova evidente de que a sociedade precisa e merece que seus líderes e seus mais legítimos representantes estabeleçam parâmetros, responsabilidades, critérios e limites econômicos e mercadológicos (sem interferir na liberdade de de opinião) para a comunicação.
Os Estados Unidos da América, a Inglaterra e os países escandinavos, entre outros, muitos outros, têm uma interessante combinação de leis, regimentos e controles econômicos, mercadológicos e sociais que em nada perturbam ou afetam a liberdade de imprensa, mas que coíbem abusos, excessos e manipulação continuada. Conhecer e entender o que deu certo ali e acolá pode ser um bom ponto de partida para o debate inicial aqui no Brasil.
Mas que não se demore a iniciativa. O Brasil quer democracia. E não há democracia sem imprensa de qualidade. Nem política se faz.
Brasileiros, pagamos um preço alto por não ter feito isso antes. Mas, antes tarde do que nunca.