Está na primeira página do maior jornal do país hoje, a Folha de S Paulo, quinta, 9: “Gastos da União – Governo agiliza corte de benefícios de idosos e de pessoas pobres com deficiência – Poderá haver bloqueio sem que o INSS notifique”.
Para quem não sabe o Benefício de Prestação Continuada ou BPC se destina a pessoas com deficiência cuja renda familiar per capita seja inferior a R$238,50. Isso mesmo, um quarto de salário mínimo. São, literalmente, miseráveis. Literalmente, têm dificuldade de apenas sobreviver. Mas são milhões de brasileiros que dependem da mínima solidariedade do sistema. O benefício não supera um salário mínimo mensal. Ninguém está livre de ser levado a esta situação pelas imprevisíveis circunstâncias e imprevistos da vida.
Que nome se dá a uma medida deste tipo?
A primeira ideia que me ocorre passa simplesmente por crueldade, resquício dos quase trezentos anos de escravidão em que os ricos e poderosos podiam bater, violentar, torturar e matar os pobres de cor preta que importavam. As leis e a polícia só alcançam e só batem nos mais frágeis, nos mais vulneráveis. Nem o direito de ser antes notificado e ter um prazo de defesa é respeitado. A presunção de inocência não existe para esses “cidadãos de segunda classe”.
Não é exagero. Um general candidato a vice-presidente da República acaba de dizer que o brasileiro é um cadinho que aproveitou a indolência do índio e a preguiça do negro. A polícia de São Paulo, o mais rico e poderoso estado do país, recebe instruções explícitas de tratar diferentes os cidadãos dos bairros ricos e dos bairros pobres. A novela, por décadas, só mostrou negros e negras em papéis secundários.
Será que alguém vai perceber durante o dia de hoje todo o potencial de injustiça e de brutalidade que há numa medida deste tipo, tomada nestes termos e aplicadas desta forma? Ou será que se fará apenas um rumoroso silêncio?
Com esforço, posso pensar que algum fanático de um ministério da área econômica de um governo sem líder e sem dono pensa estar tomando uma ação de responsabilidade fiscal. Eles dizem friamente que “é preciso cortar na própria carne”, mas só cortam na carne dos pobres, pretos e periféricos da pirâmide social.
Com mais esforço ainda, posso pensar que alguém com elevado espírito moralista identificou a possibilidade de fraude no sistema e quer “dar um freio de arrumação”. Eles pensam assim: “a gente não sabe porque está cortando, mas eles sabem porque estão sendo cortados, não tem santinha no bordel”. Ou, pensa o “cidadão de bem” o seguinte: “a gente corta mil benefícios e só uns 800 virão reclamar”.
Posso pensar que mentes condicionadas a pensar apenas pela lógica “do mercado” concordem com uma ação deste tipo e aguardem calmamente o aplauso do mercado e uma alta da bolsa.
Mas, apesar de todo esforço, só consigo me fixar nos muitos séculos de injustiça e falta de solidariedade que marcam a história do Brasil. E lamento dizer que sinto que estamos avançando rápido rumo ao passado mais violento da nossa história.