NA PRIMEIRA BORRACHADA, A VERDADE APARECE!

Eram tempos perigosos aqueles. A subversão despontara e punha sob ameaças a família brasileira e as nossas mais exaltadas tradições de povo cristão, temente a Deus e aos exércitos a brandirem o seu poder moderador.

Dois velhos amigos, em descuidada vigilância boêmia avançavam em um Renault-Dauphine em direção a Messejana. De lá tomariam o desvio que os levariam à bem-aventurança de uma noite de infindáveis conversas improdutivas com amigos.

Carmem, professora de música, com muitos acordes no seu prontuário de solfejadoura e pianista, viajava ao lado de Milton Dias, piloto experiente pelas estradas sedutoras, por vezes tortuosas, de Baco.

Dado momento, porque atravessássemos os desafios de um Estado discricionário, pouco afeito às coisas do espírito, um pelotão fechou a estrada, “armados até os dentes”, diria Carmem Carvalhedo em seus depoimentos aos amigos mais íntimos.

Antes que o destro motorista estacionasse a viatura, sob as ordens de um cabo (na Alemanha, um cabo chegou a ser führer do Reich, aqui só marechais e generais quatro-estrelas têm vez, sem contar o capitão). Carmem, tomada de grande susto e apreensão, previne o acompanhante:

“ — Milton, com essas espingardas, depois da primeira borrachada, eu confesso tudo!”

“— Confessar o quê, criatura? O que tu tens para confessar?”

“ — Eu invento! Tudo pela ordem constituída, pátria amada, Brasil! Adoro soldado!”

Assim, pelas artes da esperteza, Carmem e Milton escaparam do pior.

As revoluções costumam ser ameaçadoras. No mais das vezes, entretanto, chegam a ser indulgentes. Já não se fazem revoluções como antigamente.

As confissões brotam do medo e da dúvida. No confiteor, em íntimo recolhimento do insurreto com o pároco, hão de ser mais verdadeiras. E as penalidades, mais brandas.

Nas lides da justiça ou da polícia, em face dos juízos e das provas, as sentenças são, por vezes, criativas e circunstanciais, desvalidas de provas substantivas. Prevalecem os “consta que” sobre peças cartoriais ortodoxas.

Um destes magistrados coerentes com as suas buscas pertinazes no cumprimento de judiciosas obrigações processuais, deu o resultado da sua porfia jurídica, como “missão dada, missão cumprida”. Não obstante, poderia ter declinado este tropo — em latim, pois não.

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