MONDUBIM E O MUNDO VISTOS POR JOSÉ SABÓIA, DO RAMO DE SECOS E MOLHADOS.

O mais importante da vida política do Ceará e de todo o universo, chegavam aos viventes curiosos — pelos jornais. Os mais astutos, carregados de modernidade, sabiam dos grandes eventos, antes, pelas ondas hertzianas da BBC de Londres ou pela Rádio Nacional, do Rio de Janeiro.

O fato, a realidade conspícua, só passava a existir depois de enquadrados nas manchetes do Unitário.

Em Mondubim, as evidências aparentes careciam, ainda, do beneplácito de José Sabóia, o bodegueiro, (seria, hoje, o blogueiro mais versátil da blogosfera ), da sua versão carregada de adjetivos e interjeições.

Sem essa pontuação narrativo-crítica a realidade não era admitida em Mondubim.

Se existiam fake news, quem poderia afirmar com segurança? Zé Sabóia tinha os controles à mão. Quem haveria de pôr em dúvida a sua palavra de intérprete dos fatos ? Seria mais fácil mudar as circunstâncias.

Seu Aguiar, como o ministro Dino, o único comunista de Mondubim, agitava as massas das três bodegas concorrentes, a dos Quevedo, do seu Chiquinho e de um suspeitoso negociante de quem me foge o nome.

Seu Aguiar aposentara-se como lanterneiro e manejador das agulhas dos trilhos da RVC. Era um homem de luzes, esclarecedor de ínvios caminhos…

Aguiar enfrentava com galhardia, dominado por rasgos heróicos, o clero local, um certo padre aliciador de almas, e algumas famílias católicas – sem contar com Nice e Estrigas, rebeldes como alguns moradores da beira da estrada de ferro.

O lance mais audacioso da vida revolucionária de seu Aguiar foi registrado com a queda de Berlim. Sem ter sido consultado pelo comando militar soviético, saiu a gritar, dominado por súbita revelação stalinista:

“VIVA A URRRSS!”

De logo as forças da ordem (um cabo e um praça sonolentos) pressentiram o risco anunciado do bolchevismo em Mondubim, perfilaram-se e arrastaram seu Aguiar para o cárcere. Mondubim abrira as portas do cárcere para o primeiro preso político, sem condenação passada em julgado. Logo, o país inteiro faria o mesmo diante das solertes ameaças à democracia.

Antes do interrogatório e da formação de ação de culpa, medidas aplicáveis ao caso, segundo o sr. Oswaldo, alto funcionário dos Correios e pessoa de elevado conceito entre os bacharéis de Mondubim, ocorreu o inesperado.

Meu avô, o primeiro dos Paulo Elpidio, e o melhor dos três, segundo me foi confiado pelos amigos da família, “funcionário dos feitos da fazenda”, como gostava de apresentar-se, foi à delegacia e ordenou, em nome das forças aliadas no front europeu, que o preso fosse solto.

O cabo, perplexo mas já extenuado de tanta guerra revolucionária, em tão curto tempo, nada objetou:

“— Soldado, entrega o preso! Este negócio de “fazenda” não me cheira bem! Deve ser coisa de coroné…”

Em Mondubim, como em Passargada, todos eram amigos de Zé Sabóia e dessa intimidade retiravam a certeza que buscavam sobre os eventos e as suas imponderáveis circunstâncias…

Desconfio que, no fundo, o velho Paulo Elpidio sabia das coisas…

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.