A promíscua relação entre a política e a propaganda
A imagem de Pablo Marçal (candidato do PRTB) sendo surpreendido pelo candidato Datena, “armado” por uma… cadeira, após ter proferido uma série de ofensas a este, repercute esta manhã e provavelmente será o assunto mais comentado nos próximos dias, salvo a corrida para a prefeitura de São Paulo não nos surpreenda com novos fatos do mesmo naipe!
É inegável que nestes últimos meses, a figura do candidato do PRTB surpreende o cenário político como um dos seres mais abjetos que já tiveram a ousadia de aparecer como figura política na história de nossa república contemporânea. A primeira vez que tomei notícia deste senhor, foi por ocasião a dantesca cena, onde o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, é confrontado por Marçal com uma carteira de trabalho!
A história da cena foi mais do que comentada e a folha corrida deste candidato, que é a nova aposta da ultradireita, é noticiada dia a dia. O que chama atenção é que independentemente do conteúdo da cena e da natureza do seu protagonista, Marçal é objeto de várias análises de especialistas em marketing digital com postagens do tipo: O QUE PODEMOS APRENDER COM PABLO MARÇAL SOBRE COMO TORNAR VÍDEOS VIRAIS.
Fico abismado como se tenta vender a ideia de que uma pessoa com apenas sua rede social pode repercutir nas redes tanto quanto um candidato que investe milhões para que seus apoiadores publiquem vídeos de sua campanha, além de premiar aqueles que fazem campanha negativa contra seus adversários (segundo matéria do Intercept Brasil).
O fato a que quero chamar atenção aqui é o de que, desde que o centro das campanhas políticas se deslocou do horário eleitoral na televisão, para a internet, a propaganda eleitoral consolidou-se definitivamente com o principal veículo de formação de opinião do eleitorado. O marketing digital consolida a formatação do político profissional como uma mercadoria que pode ser “vendável” independente da plataforma política que este propõe. Por esta razão, a campanha do citado candidato do PRTB teve uma significativa ascensão junto ao eleitorado de S. Paulo.
Afinal, o que leva hoje com que grande quantidade de pessoas apoie candidatos cuja agenda política – como é o caso dos candidatos da ultradireita – se apresenta francamente contrária aos seus interesses? Pior, se excluíssemos a política e levássemos em conta apenas a índole pessoal destes candidatos, a repugnância deveria ser ainda maior, se considerarmos não só a trajetória pessoal destes e sua indissociável relação com atividades criminosas – como é o caso de Marçal e de Bolsonaro, por exemplo – como suas declarações públicas que tendem a ser extremamente preconceituosas, para dizer o mínimo?
As análises mais superficiais apontam para os “encantos” da propaganda, superestimando os efeitos das redes sociais sobre as mentes das pessoas. Evidente que o marketing digital através das redes sociais, exerce um poder de atração muito maior que o do marketingconvencional, mas o chamado “público consumidor” – para usar aqui a linguagem marketeira – não se forma através da propaganda. A propaganda captura aqueles que já possuem interesse de compra, ela não tem poder de converter aqueles que não querem comprar, a consumir aquilo que não lhes interessa.
Há, portanto, um fenômeno anterior à propaganda, algo relacionado a vida cotidiana das pessoas e que hoje condiciona a discussão política em geral. Vamos tentar entender alguns dos fatos relacionados a estes problemas e ver se eles podem nos indicar a entender melhor a natureza desse problema a que estou me referindo:
Veja-se que, como indicam as quatro crises indicadas acima, os instrumentos fundamentais que incidem na qualidade da discussão política junto à opinião pública aparecem comprometidos. Temos um eleitorado que possui dificuldade de compreender a dimensão de seus próprios problemas coletivos e cujo acesso à informação aparece comprometido não só na própria estrutura educacional, como pelo caráter tendencioso em que se tornou os grandes veículos de informação. Além destes fatos, a própria credibilidade das organizações políticas e dos candidatos que se propõem a serem seus porta-vozes aparecem seriamente afetados.
Como se tudo isso não bastasse, as próprias instituições constitucionais passaram a ser antagonizadas, tornando as pessoas céticas em relação à própria ordem política como instrumento de resolução dos problemas sociais.
Mas, uma vez que todos esses elementos se encontram comprometidos, como é feita a seleção de candidatos hoje?
Os instrumentos que aludimos acima são fundamentais para uma discussão política no nível do juízo racional, ou seja, da avaliação a partir de fatos, da compreensão objetiva dos nossos problemas e da comparação entre os programas políticos propostos durante as eleições.
Uma vez que a propaganda se expande como principal elemento de formação de nossa consciência política, através das redes sociais como principal instrumento de comunicação, a discussão política vai deixando de se fundamentar em critérios racionais e vai se tornando mais e mais subjetiva. O debate político deixa de se argumentar com base em fatos, em problemas objetivos, e dá lugar à indústria das fake news, à apelação subjetiva, e a escolha passa a ser ordenada por crenças subjetivas.
Aquilo que é considerado verdadeiro, deixa gradualmente de se basear em critérios racionais e objetivos e passa a fundamentar-se em critérios subjetivos.
Mas é possível entender as condicionantes objetivas deste problema?
É o que veremos em nossas próximas postagens ao longo desta semana!
Continua amanhã (17/09)