Excelente tarefa esta a que se propôs Osvaldo Euclides, jornalista e escritor como foi, a seu modo e na medida do seu talento, Hemingway .
Poderia dizer em breve porém pretensioso comentário que este depoimento, confissão ou memória, é uma réplica a Walter Benjamin, no seu trágico e amargo testemunho sobre o desmanche da sua biblioteca.
A esse registro de perdas severas acumuladas nas fugas à caça dos judeus pelos nazistas — “Je déballe ma bibliotheque” — Benjamin traz a sua dolorida descapitalização das fontes das ideias cultivadas em anos de aprendizagem e ensinamento.
Manguel encaixota os seus livros preciosos para a tranquilidade da Provence, a ler e a escrever sossegadamente pelos caminhos da Europa. Na França comprou um presbitério medieval em Poitu-Charentes e ali alojou seus 35 mil volumes.
Benjamin, por sua vez e bem antes dele, desencaixota os livros que sobraram de frequentes mudanças, para salvar o que podia das suas viagens de fuga e sobrevivência.
Um expõe os livros e dá-lhes luz e vida; o outro, distribui os preferidos com os amigos íntimos ou abandona-os no desespero da fuga pelos bagageiros das estações ferroviários por onde passava.
De sua morte, de uma amarfanhada valise de mão, sequer os originais da obra anunciada da sua vida inteira foi encontrado.
Ótimo texto, como de hábito o faz Osvaldo Euclides. Texto seguro, desservido de atavios literários — preciso e parcimonioso nas suas manobras de estilo.