A mãe de todas as ‘fake news’ – Parte 3 – por Osvaldo Euclides

Ainda há quem acredite que o crescimento econômico se impõe naturalmente. Essas pessoas acreditam que há um impulso natural para a frente e para cima, baseado na natureza humana e nas regras não escritas do capitalismo. Para estes, o mercado se encarrega de levar na bandeja as oportunidades e o jogo da lei da oferta e da procura faz o resto. O crescimento é, pois, quase inevitável.

Estas mesmas pessoas consideram que é a existência do Estado que constrange e sufoca este processo, ao interferir com normas e regulamentos (burocracia) e tributos. A pureza e a eficiência do mercado são violadas e todo tipo de problema tem aí sua origem. O mercado seria capaz de gerar seu próprio crescimento e capaz de fazer a própria correção de seus erros, sempre que necessário punindo duramente quem erra e abusa.

Este modelo até pode ser considerado verdadeiro em economias incipientes e atrasadas. Imagine uma economia que está saindo da fase agrícola para a fase industrial. Ou um país que está saindo da fase industrial para a dominação dos serviços e da tecnologia. Nos dois casos, em havendo financiamento, o crescimento pode ser rápido e (até certo ponto) independer da interferência do Estado. Os casos recentes e atuais da China e da Índia são exemplares. Ou o do Japão nos anos 1950/1960.

Quando chegamos aos anos 1945-1975, encontramos as três décadas de ouro. O mundo inteiro prosperava, as empresas cresciam, os salários subiam, o bem-estar social se instalou. Havia uma onda de investimento tisunâmica por parte dos países vencedores da Guerra, com vistas à recuperação. Era o Estado atuando como investidor, articulador, estimulador e financiador. E não necessariamente como empresário (salvo em posições que consideravam estratégicas ou afastadas pelos próprios empresários privados).

A convicção absoluta de que o Estado só atrapalha foi abalada e atropelada pelos fatos que ocorreram entre 1929 e 1936, mais ou menos. Enquanto se esperou que o mercado e a lei da oferta e da procura tirassem os países da depressão, nada aconteceu além de espasmos enganadores. Só quando Franklin Roosevelt colocou o peso do governo dos Estados Unidos a favor da recuperação, ela aconteceu. Era o “New Deal”, o novo acordo. Novo, porque antes disso o Estado era mantido afastado. John Maynard Keynes, o economista inglês, deu a senha: o mercado não pode puxar-se pelos próprios cabelos; se necessário, o Estado deve pagar às pessoas para enterrar algo na areia da praia de manhã e desenterrar à tarde, e estimular a demanda com gastos e obras públicas.

Como se diz no âmbito judiciário, esses fatos históricos já deveriam ter pacificado essa questão do papel do Estado na gestão da macroeconomia.

O crescimento econômico não é natural, nem espontâneo. O mercado não se puxa pelos cabelos e o Estado precisa exercer papel indutor. Os países hoje desenvolvidos contaram com o apoio decisivo do Estado e agora aconselham os atrasados a não usarem a mesma escada. O fato de que o mercado financeiro tomou conta dos governos transforma essas ideias vencidas numa proposta fanática.

O Brasil está numa encruzilhada depois de construir sua própria crise fiscal (o Congresso tirou a CPMF e Dilma fez desonerações). Mas a crise tem base apenas fiscal e de confiança – nossos dois problemas macroeconômicos são déficit fiscal e desemprego.

Nenhum dos dois se resolvem com as ditas reformas, todas elas com efeitos possíveis apenas a médio e longo prazo.

Não deixa de ser estranho que empresários defendam sem reservas esse fanatismo. Recuperação econômica (na verdade, apenas espasmos) tem sido a mais protegida ‘fake news’ na gloriosa e tradicional imprensa brasileira.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.