LIÇÕES PARCIMONIOSAS DE CONFESSADA INDIGNAÇÃO PROVISÓRIA (Ou como são criadas, na prática,as novas ditaduras)

A engenharia do golpe em um governo constitucional republicano não ocorre pelas armas. As suas instituições são abaladas de forma mais eficiente pelas vias legais comuns. Com a indiferença do aparato a que apelidamos de “Estado democrático de direito”.

No lugar de levantes, quarteladas ou insurgências fardadas, arruaças de rua ou quebra-quebras, valem mais as notícias plantadas na mídia, as versões particulares dos fatos e a criatividade dos formadores de opinião nas redes sociais ou na tevê. Sem que devêssemos, naturalmente, esquecer a insurreição dos réus perdoados e das togas contra as injunções da justiça.

O boca-a-boca virtual do boato tem mais força do que duas divisões de blindados estacionadas por falta de combustível. Alunos e professores longe das salas-de-aulas e do enfadonho aprendizado de cada dia fazem mais barulho do que uma oficina de mecânica e de soldagem de um curso de engenharia.

Poucas repúblicas resistem à força das oligarquias e das alianças familiares e políticas. No passado, os proprietários rurais controlavam as lideranças locais e, com o tempo, chegaram às cidades e apoderaram-se dos poderes, dos cargos e das sinecuras. Neste aparato de influência e de recursos públicos, dominaram os instrumentos de governo do Estado.

De quando em vez, quando estes potentados urbano-rurais se desentendiam, vinham em seu socorro as garantias da ordem asseguradas pelo exército ou pelo convencimento da Igreja. Os tempos mudaram. A terapêutica social seguiu tratamento mais, digamos, científico.

Hoje, a ordem estabelecida mantém-se firme ou é desconstruída pelos recursos decantados no apurado processo ideológico. Já não é a dogmática da fé que decide sobre o governo do Estado, porém a engenharia das relações sociais é que mantêm à ordem, firmam as ideias e fixam a opinião.

As revoluções e as intervenções nas precedências do poder e da ordem constitucional fazem-se agora, cirurgicamente, sem povo e sem tropas, operam-se com a mudança das leis, ou mediante a interpretação que é dispensada aos dispositivos controversos e às doutrinas jurídicas tornadas peremptas pelo uso inócuo da sua força. Não mais importa o que as criaturas pensem, mas o que se disponham a permitir e tolerar, criar ou construir.

Mudam-se as leis ou são elas trocadas por via de uma laboriosa exegese, nas coxias legislativas do parlamento. Se não, convocam-se os intérpretes ungidos pelo saber jurídico para amputar leis inconvenientes e adotar procedimentos processuais eficazes. Neste cozidão de estatutos, regimentos e de uma contraditória jurisprudência estarão os ingredientes de uma caldeirada revolucionária.

As guerras externas ou internas são experimentos culturais especializados. Alguns agentes das mudanças dissimiladas multiplicam as incertezas sobre versões contraditórias sobre fatos improváveis. A realidade é relativizada. As instituições políticas, a mídia, o conhecimento e a fé transformaram-se em utensílios de guerrilha ideológica. A família faliu no essencial das suas funções sociais. A escola transformou-se em instrumento de um ativismo politico dominado pelas vaidades adolescentes de pais, filhos e educadores que não amadureceram.

O nacionalismo guerreiro de outros tempos mostrou a sua cara bifronte, carregado de um identitarismo que faz das raças, das etnias, dos arroubos engenhosos do sexo e da ignorância o instrumento de um linguajar jeitoso, quebrado por códigos elementares com os quais é anunciada uma pós-modernidade bisonha que a todos parece libertar.

Chegamos ao futuro. E não nos havíamos dado conta dos benefícios que ele nos trouxe.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

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Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.