“Às vezes é boa escolha nada escolher”, Michel de Montaigne.
Em um larga perspectiva histórica, as nossas tendências autoritárias nascem com um viés acentuadamente peninsular. Só que encontraram, para o bem ou para o mal, o contra-peso de um parlamentarismo dominado por forças conservadoras invencíveis — mais, até, controladas pelas defesas incontornáveis de oligarquias persistentes. Ou pelo oportunismo de uma nobreza rala de origens e propósitos, porém assoberbada por interesses — e pela vaidade das elites .
Era assim em Portugal ao tempo de D. Maria I e do seu filho Regente. Foi assim durante o primeiro Império e o segundo, com dois Pedros contidos pelos interesses dominantes de uma nobiliarquia importada e pela persistência de velhos e antigos privilégios, enfiados nas dragonas de uma coroa decadente. Como agora, ao sabor de uma chusma de chupadores do erário, arranchados em 32 partidos políticos, sem qualquer identidade política ou até mesmo ideológica. Por aquele tempo, eram agrupamentos partidários, cuja fidelidade à monarquia podia ser medida pelas adesões sazonais, provisórias e transeuntes, circunstanciais, admitamos, como os brasileiros, aliás, habituaram-se a fazer política, escondidos atrás de inclinações liberais ou conservadoras passageiras. Na nossa cultura, a politica não se traduz pela busca do poder: traduz-se, simplesmente, pela preservação do poder, a qualquer preço.
Fomos, como monarquia e república, o engodo feito de esperteza, construído pelas negociações que resistiram a todas as tendências dos movimentos civilizatórios no plano político. Fundamos uma nação embarcados na incerteza de escolhas de segunda mão. Tudo, desde a Colônia, se fez com atraso, por aqui. Salvo a voracidade dos aparelhos do fisco da Coroa portuguesa e do que ficou em seu lugar – as contas altíssima a saldar com a Inglaterra, avalista da nossa independência. As ideias dos poucos brasileiros pensantes não encontravam lugar na “racionalidade” dos donos do poder; proibidos de pensar, já não carecíamos da imprensa para dar vazão a ideias rejeitadas – e por assim dizer perigosas. A tipografia e a universidade foram, por décadas, estigmatizadas pelo aparelhamento colonizador como estímulo pernicioso ao aliciamento da dos contestadores.
Hesitantes nas escolhas das armas a empregar em favor da Independência (precisou a Imperatriz Leopoldina assinar o ato de declaração a que o príncipe herdeiro resistia, mergulhado em dúvidas), não nos houvemos com maior determinação em favor da República. A declaração da República ocorreria às escondidas, em meio às indisposições de um velho marechal. O Imperador, destituído, foi embarcado às pressas com as suas veleidades intelectuais e científicas.
Todas a Repúblicas — e foram tantas! — experimentaram o cerco das oligarquias, todas muito bem representadas no “Parlamento”, no Rio de Janeiro e já agora em Brasília. Breves hiatos de prática democrática cederam espaço a governos autoritários e a golpes de estado — sempre em nome da defesa da democracia.
Os partidos multiplicaram-se, irrigados pelas imensas possibilidades eleitorais do Fundo eleitoral, pelas emendas parlamentares, animados pela frouxidão da legislação e pela permissividade dos lances de corrupção organizada.
As instituições foram amolecidas pelos solventes eleitorais, a legalidade improvisada prevaleceu sobre as questões essenciais de legitimidade. O povo encolheu absorvido pela mídia e pelas redes sociais.
Assim fomos seguindo às cegas para um confronto de greis políticas de elevado poder oportunista. As alianças mais improváveis se materializam em mutirões políticos proveitosos. O estados organizam-se em “consórcios” autônomos, ignoram o pacto federativo e ressurgem com o peso das oligarquias regionais. Os tribunais superiores ampliam as suas competências e mostram a sua força. Investigam, processam, julgam, condenam e prendem. E decidem em grau de recurso sobre a sabedoria das suas próprias decisões.
O país transformou-se em um acantonamento de vagas discussões jurídicas, de custo elevado e duvidosa racionalidade.
Ao longo da nossa história, fomos salvos do pior pelo acaso, pelos acordos, pela força da cooptação e da inércia, pela indiferença de um povo pouco versado nas artes da democracia. Nunca nos confrontamos seriamente com as nossas próprias contradições. A sorte nos salvou, sempre, antes do epílogo trágico anunciado. A nosso favor, esperávamos ouvir, ao longe, nas escaramuças sem saída, o toque salvador da corneta da 7ª. Cavalaria… Adiamos o encontro marcado com o destino, confiantes nos restos convenientes da fé. A frase pode até parecer retórica; empreguei-a intencionalmente, com essa confessada intenção, perdoem-me. Deus era brasileiro, afinal de contas, dizia-se. E bondosamente conivente com os nossos arroubos e fraquezas. Será que Ele vai embarcar, conosco, na aventura desafiadora de 2022?
A conferir.