George Steiner, em um livro de memórias encantador — Errata —, fala das afinidades intelectuais criadas com o seu pai pela prática constante da leitura.
As leituras do jovem Steiner, de família judaica, eram objeto do acompanhamento do pai; não que o fizesse por cuidados morais ou religiosos. Guiavam-no os cuidados com o que se poderia comparar a uma “economia da leitura”. O que encontrar e extrair da matéria lida? Os dividendos auferidos com a leitura de um livro.
O velho Steiner, de profissão, financista, diretor de banco, conquanto não fosse um homem rico, cumpria o essencial das suas obrigações com a Torá. Cultivava a música e a literatura.
Só autorizava o filho a iniciar a leitura de um novo livro mediante a apresentação de um resumo da leitura anterior. As passagens que o jovem Steiner não houvesse compreendido, deviam ser lidas em voz alta. Já os copistas e os trabalhadores dos “scriptorium” faziam da leitura em voz alta uma espécie de representação do texto, com a valorização das falas dos personagens ou do narrador. Caso as explicações que lhe eram dadas não fossem entendidas, se qualquer mal-entendido persistisse, o texto deveria ser copiado. E lido em voz alta que a leitura para terceiros sempre aclara o texto, assim se dizia ao tempo dos códices. No caso, para uma acareação final do jovem leitor com as explicações do velho senhor Steiner.
Ressalte-se, a propósito, que árabes e judeus são, a seu modo, iconoclastas, aponta George Steiner. Temem a imagem e “se méfient de la métaphora”(GS, Errata, Folio, Gallimard, Paris, 1997, p. 28). A voz na leitura assegura a preservação da inspiração contextualizada para quem lê e para os que ouvem.
Nas impertinências pedagógicas do velho Steiner, a prática didática por ele adotada fazia da leitura mais do que um mero trabalho passivo de acumulação distraída; impunha participação, envolvimento na construção da “storia” e na compreensão dos recursos de linguagem e do estilo do autor.
Na cultura judaica, a “fabulação”, a criação de narrativas e a entrega ficcional do autor, não gozam do prestígio dos intérpretes da música e dos que compõem e criam no desafiador processo de criação melódica. A ficção invade, para os mais fiéis aos controles da fé, o terreno sagrado da Criação. Donde, a reserva despertada pela imagem e pela ficção como um desvio de falsidade e concorrência desrespeitosa em relação à obra do Criador — o homem à sua imagem e semelhança.
A metáfora, pela mesma razão, munida do engenho e dos recursos da alusão, da suposição e da imagem convincente, na designação de valores e qualidades, do qual só parece capaz de produzi-las o próprio Criador.