A Lava Jato e a Nova Cidadania? por Josênio Parente

 

                O aperfeiçoamento democrático brasileiro está numa fase crítica, “embolou no meio do campo”. Quando todos discutem fatores conjunturais, como a prisão do Lula, a parcialidade de setores do judiciário, entre outras questões importantes. Discutiremos, contudo, uma questão estrutural sugerido pelas reflexões de Alex de Tocqueville ao estimular a participação política: “educar a Democracia”. A participação política é um ponto importante, pois traz a promessa de políticas públicas para qualidade de vida e, nesse caminho, os partidos políticos se apresentam como natural para a representação política da sociedade, embora essa participação política tenha outros caminhos e possa também ser direta, como plebiscitos e consultas populares, além dos movimentos sociais e as mobilizações por trazerem efeitos mais imediatos. Foram esses tipos de participação que orientaram o desfecho que estamos assistindo. Se o Soberano não fiscaliza, os administradores juntam a riqueza para seus grupos políticos, como está acontecendo nos países Nórdicos, como a Suécia, aumentando a concentração de renda.

A operação “Lava Jato” traz uma realidade, que não é nova na dinâmica da política brasileira, mas renova a percepção do cidadão brasileiro do século XXI sobre seu papel na política. Maquiavel, pensador político do século XVI, já revelava, como base empírica, que a política real é mais uma correlação de forças da sociedade civil, do que a busca do bem comum, que seria apenas o ideal da política vislumbrada pelos clássicos gregos atenienses. A política não se desnuda facilmente ao cidadão como estamos assistindo agora, na Operação “Lava Jato”. A sociedade brasileira está dividida. A competitividade endêmica da modernidade, contudo, se legitima pelo respeito à regra do jogo, a submissão às leis pactuadas. A democracia, assim, se apresenta como a forma mais civilizada onde os conflitos de interesses da sociedade são postos na mesa de negociação, todos sendo culturalmente iguais e livres.

A política, portanto, é a instância da ética na sociedade e os partidos políticos são a forma de canalizar a luta de classes imanente numa sociedade movida por interesses materiais. Quando duas pessoas se encontram, se numa sociedade tradicional, são companheiros, se numa sociedade moderna, pensam: como ganhar desse encontro: vendendo uma mercadoria ou uma ideia, ou assaltando. A ética é a força que, orientada pela política (exclusividade da força), faz as pessoas optarem pelo caminho pactuado. O recato da política, não se apresentando como tal, legitima o processo de poder. Segundo Montesquieu, a liberdade é cultural onde todos se sentem obedecer, mesmo quando mandam. A divisão dos poderes tem essa direção, evitando que a maioria domine a minoria e também que a minoria domine a maioria. Sem participação esse desequilíbrio na balança será natural. A economia penderá para o lado mais forte, com maior poder de participação.

O cidadão, vendo apenas a aparência da política, a busca do bem comum, fácil ser enganada da visão apresentada como uma quadrilha. A correlação de forças se torna amoral quando falta a ética. Esse maniqueísmo, o bem contra o mau, animou o discurso político e fortaleceu um clima de ódio típico das experiências  fascistas do período das duas guerras mundiais quando o foco era o fortalecimento das respectivas burguesias nacionais dos países emergentes da época: Alemanha, Itália e Japão, contra o imperialismo e o sistema financeiro, ou a luta de classe do século XIX, quando a burguesia percebeu, após a Revolução Francesa, que povo era também os trabalhadores.

                A operação Lava Jato, portanto, vem desnudar a falácia da política como a busca do bem comum ao revelar  que a natureza da política, numa  democracia representativa é a competitividade imanente numa sociedade. A civilidade das relações sociais, o controle do ódio, está em aceitar as regras do jogo, permitindo a alternância do poder via eleição direta e protagonizado pelos partidos políticos. Isso tudo pressupondo que o Congresso representa as forças da sociedade civil. E o Judiciário seria o guardião das leis, sagrada num ambiente democrático.

Representa? Como explicar a baixa popularidade de um presidente e o forte apoio no Congresso? Como discutir o judiciário e seu papel na justiça no novo quadro de cidadania, fortalecendo a judicialização da política? São questões novas que só é possível no atual estágio de desafios do estado de direito, do aperfeiçoamento democrático, que constitui momento privilegiado, como lembrou Alex de Tocqueville, não é só para a reforma política, mas para educar a Democracia.

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.