Justiça camaleônica

Há em todos os homens
Grandes e pequenos
Fortes e fracos
Servos e senhores
Livres e escravos
Uma sede implacável de justiça
Embora sejamos corriqueiramente injustos
Há em todos,
No homem distante e tribal
Ao urbano-civilizado,
Um apelo à paz
Ainda que nossas atitudes
Se traduzam, quase sempre, em guerra…
Em guerra ,
Meu Deus!

Ao sabor de obscuras razões
Dança o chicote nas mãos do algoz
E o algoz, és tu , sou eu, somos nós!
É que a mão que afaga
Também atira pedras
Vituperando assim
A noção consagrada
De joio e trigo.
Há em nossa retórica
A lógica do perdão …
Desde que ele venha nos amortecer
Pecados e vícios!
De olhos fitos no altar e coração quebrantado,
Até oramos:
Perdoai, pai, minhas ofensas e injúrias
Assim como eu perdoo a meus conspiradores…
Mentira ! Ecoa uma voz na alma.
Há em nossos lábios
O sussurro da prece e da compreensão
E, no coração, o mesmo ódio
E a mesma inveja Que incendiaram Caim.
Como a vil serpente original
Se engana , se conspira , se golpeia,

Há em nossas palavras
A candura da tolerância e da resignação;
Na alma, porém , o monstro
Da intolerância se arma
A nos anular a mais simples e frágil
Manifestação de afeto…
De afeto …
Meu Deus!

Somos vigilantemente implacáveis
Com o outro ; indiferentes , porém,
A suas dores , fraquezas e aflições
E , para temperar a tirania ,
Complacentes com os nossos.
De alma embotada, Regamos o jardim
De nossas ternas afeições
E semeamos Ipês brancos – roxos – amarelos…
E a comunhão se talha, e viceja, e vinga, e murcha
Antes mesmo que os raios do novo dia
Nos coloquem em cena
A farsa das relações…
Das relações…
Meu Deus !

Prof. Camilo França

Camilo Henrique Cavalcante Franca

Licenciatura plena em Letras (Universidade Federal do Piauí).