Inflação à moda Brasil: um olhar em perspectiva, por Osvaldo Euclides

A experiência brasileira dos anos 1980 e 1990 com os índices de preço flertando com a hiperinflação e batendo em 80% ao mês não é coisa fácil de esquecer. Os diversos planos fracassados de combate à doença da moeda pareciam indicar que estávamos condenados a viver eternamente com aquela praga. Os presidentes José Sarney e Fernando Collor experimentaram a terapia de choque e mostraram que o componente inercial era forte, mas não era tudo. Até que veio Itamar Franco e aplicou o Plano Real.

Dois elementos contribuiram para o sucesso de Itamar. O primeiro é que ele recebeu de Collor um legado em termos econômico-financeiros muito mais apropriados para uma nova tentativa de tratamento de choque. O segundo é que foi dada aos preços das mercadorias (ou seja, aos empresários) duas oportunidades de ajustar-se pelos picos (na passagem dos preços para URV, na passagem da URV pro Real), enquanto aos salários (ou seja, aos trabalhadores) foi imposta uma média passada seis meses antes. Entretanto, a percepção de ganho do trabalhador com o fim da inflação (na verdade embutida nos índices e nos preços) foi tanta que o Plano “pegou”. Investidores de um modo geral também foram “garfados” nessa transição e a briga com os bancos foi para a Justiça.

Nessa jogada econômica Itamar Franco e seu PMDB elegeram Fernando Henrique, deixando que ele e seu partido assumissem a condição de “pais do Real”. Política e economia, sempre juntas. Depois, Fernando Henrique comprou a reeleição e praticamente foi ungido.

Mas, o assunto é inflação.

Na passagem de FHC para Lula em 2003, a inflação parecia encaminhar-se para fora do controle. Falava-se no “efeito Lula”. Na época, o perigo da vez era a “argentinização” do Brasil. Não aconteceu.

Depois, em 2014, com Dilma, de novo, a inflação pareceu a caminho do descontrole e encostou em onze por cento ao ano. Os economistas mais atentos sabiam que era passageira a alta, pois ela refletia a descompressão dos preços de energia e combustível. Entretanto, o trauma dos anos l980 e 1990 é tão profundo que houve a exploração do fato para fins político-partidários.

A inflação caiu, como era previsto, dos onze por cento para o nível de sete por cento rapidamente, passado o impacto dos reajustes desproporcionais de gasolina e energia.

Com a recessão que se instalou e se complicou ao fim de 2015, com o fim do governo Dilma, bloqueada no Parlamento (e na Imprensa), a inflação entrou numa rota cuja tendência é zero e de perigosa deflação.

Se não tivermos o índice anual de zero ou mesmo deflação, pode-se creditar o fato a velhas parceiras da inflação brasileira, mormente no seu componente inercial.

A primeira delas é a concentração de poder empresarial, baixa concorrência em produtos decisivos no cálculo dos índices. Exemplo: alimentos, bebidas e material de limpeza. Não será exagero dizer que dez grupos empresariais controlam três em cada quatro das posições nas gôndolas de supermercado. Sem efetiva competição, não há efetiva produtividade. Como não há produtividade (nem concorrência), fica fácil o recurso ao aumento do preço.

A segunda delas é a indexação. A cultura brasileira leva ao carregamento da inflação passada para os preços de hoje. Assim, fica difícil quebrar o circuito.

Agora também já se sabe que juros altos por tempo longo não combatem a alta de preços. Ao contrário, chegam a provocá-la (os agentes repassam os custos financeiros para o preço).

Numa crise desta profundidade, nem a concentração, nem a indexação, têm forças para fazer subir a inflação, porque não há demanda, o consumidor está no limite de suas forças. Com mínima competência, o país pode entrar num novo estágio civilizado de variação do valor da meda.
Em resumo, o Brasil tem a chance de golpear definitivamente a inflação (e para ao menos uma coisa toda essa crise serviria positivamente), mas o Banco Central está deixando passar a oportunidade. Pelo que tem feito, e pelo que não tem feito, o BC até parece jogar contra.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

Mais do autor

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.