Incertezas e intranquilidades da existência líquido-moderna

“Um espectro paira sobre o planeta: o espectro da xenofobia. Suspeitas e

animosidades tribais, antigas e novas, jamais extintas e recentemente

descongeladas, misturaram-se e fundiram-se a uma nova preocupação, a da

segurança, destilada das incertezas e intranquilidades da existência líquido-

moderna. Pessoas desgastadas e mortalmente fatigadas em consequência de

testes de adequação eternamente inconclusos, assustadas até a alma pela

misteriosa e inexplicável precariedade de seus destinos e pelas névoas globais

que ocultam suas esperanças, buscam desesperadamente os culpados por

seus problemas e tribulações. Encontram-nos, sem surpresa, sob o poste de

luz mais próximo — o único ponto obrigatoriamente iluminado pelas forças da

lei e da ordem: “São os criminosos que nos deixam inseguros, são os

forasteiros que trazem o crime.” E assim “é reunindo, encarcerando e

deportando os forasteiros que vamos restaurar a segurança perdida ou

roubada”.”

 

“Com efeito, em todo o mundo submetido a governos democraticamente eleitos

a frase “serei duro com o crime” transformou-se num trunfo, mas a mão

vencedora é quase invariavelmente uma combinação da promessa de “mais

prisões, mais policiais, sentenças maiores” com o juramento de “não à

imigração, aos direitos de asilo e à naturalização”. Como diz McNeil, “políticos

de toda a Europa usam o estereótipo de que ‘o crime é causado por forasteiros’

para ligar o antiquado ódio étnico à preocupação com a segurança pessoal,

mais palatável”.”

 

“A atual tendência a reduzir drasticamente o direito de asilo político,

acompanhada pela firme recusa ao ingresso de “migrantes econômicos”

(exceto nos momentos, poucos e transitórios, em que as empresas ameaçam

mudar-se para onde a mão-de-obra está, se esta não for trazida para onde elas

estão), essa tendência assinala não uma nova estratégia com relação ao

fenômeno dos refugiados, mas uma ausência de estratégia, assim como o

desejo de evitar uma situação em que essa ausência acarrete embaraços

políticos. Nessas circunstâncias, o ataque terrorista de 11 de setembro ajudou

enormemente os políticos. Além das acusações comuns de viverem à custa da

previdência social e de roubarem empregos, ou de trazerem para o país

doenças há muito esquecidas, como a tuberculose, ou recentemente surgidas,

como a AIDS, os refugiados podem agora ser acusados de fazer o papel de

“quinta coluna” em favor da rede terrorista global. Há finalmente um motivo

“racional” inatacável para recolher, encarcerar e deportar pessoas com as

quais não se sabe mais lidar nem se deseja ter o trabalho de descobrir.”

(Trecho do livro Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos, de

Zygmunt Bauman; ZAHAR; 2004)

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