A imprensa livre do dinheiro do poder público e das estatais: seria melhor ou pior? – Parte 7 – por Osvaldo Euclides

No texto anterior foi sugerido que a circulação líquida paga de jornais e revistas caiu de forma tão expressiva e os preços pagos por anúncios publicitários baixaram tanto que a saúde financeira e até a sobrevivência desses veículos pode estar sendo ameaçada. Há uma relação direta entre as duas coisas (o número de leitores pagos e o preço pago pelos anúncios) e a situação parece cada dia mais dramática. Quando a circulação (leitores pagos) cai, o preço do anúncio cai.

A internet empurra os preços para baixo e dá também sua contribuição para diminuir os exemplares vendidos em bancas e assinaturas tanto de jornais quanto de revistas. Isso é aceito e comentado como evidente por gregos e troianos. O que não se diz e raramente se escreve é que há outros fatores pressionando nessa direção, além da internet.

Os editores de revistas e jornais possivelmente concordarão que as empresas jornalísticas costumam viver crises cíclicas, e sobreviver a elas. O problema é que a crise atual vem se alongando e não parece apenas um ciclo. Se for, não está perto de terminar. Alguns mais afoitos e ousados chegam a prever que veículos impressos se extinguirão. Há controvérsias – jornais e revistas não são dinossauros, embora às vezes se movam e se comportem como dinossauros. Operam como se estivessem aferrados a tradições e a ideologias eternas – uma radicalidade que não faz bem aos negócios.

Uma maneira simples e direta de enfrentar e tentar resolver essa crise seria mudar a linha editorial. E fazer jornalismo para um público maior. Defender as bandeiras e os interesses não apenas das classes A e B, mas incorporar a população inteira, de maneira direta e sincera. Isso não é nenhuma revolução, seria apenas cumprir o que eles dizem ser e prometem fazer. O nicho de leitores atendido hoje parece definido de maneira apenas político-ideológica, quando o assunto é informação, análise e opinião.

Os maiores jornais brasileiros somados mal alcançam ou por pouco superam um por cento da população em números de exemplares vendidos e acessos pagos pela internet. O maior jornal do país, do estado mais rico do país e da mais rica metrópole vende menos de quatrocentos mil exemplares e acessos pagos por dia. É um número muito pequeno.

O aumento de exemplares, assinaturas e acessos pagos poderia ser a medida suficiente para reverter a crise na receita de publicidade. Mesmo que eles não lucrem com a venda adicional, o lucro viria com mais anúncios, novos anunciantes e melhores preços por anúncios, uma base de receitas mais larga e menos ideológica. E a despesa com papel e pessoal (as duas mais pesadas) cairia em termos proporcionais. Haveria um ponto de inflexão, e uma nova curva de tendência de lucro saudável se fixaria.

Esta proporção baixíssima entre leitura e população não foi provocada completamente pelos efeitos das tecnologias de informação e pela internet. Em termos relativos e em termos absolutos, a leitura paga ou não sobe ou cai há tempos, conforme cada empresa editora. O número de jornais diários nas grandes cidades é hoje menor do que há cinco décadas. Aí por volta dos anos 1960, estima-se que a revista O Cruzeiro, dos Diários Associados, vendia mais de oitocentos mil exemplares. Cinquenta anos depois, admite-se que nenhuma revista brasileira alcança este desempenho, seja em termos absolutos, seja em termos relativos. O consultor de gestão de empresas de mídia Luis Caldeyra acaba de postar no Facebook uma lista de dez jornais de quatro mercados com circulação paga entre quatro e quatorze milhões de jornais por dia – são chineses, japoneses, norte-americanos e ingleses.

Jornais e revistas tradicionais que disputam o mercado têm feito jornalismo para agradar o ‘mercado’ e os governos. As vendas caem e eles apenas reagem fazendo reformas gráficas – mudam o visual, mexem na diagramação, jogam todo o peso no design. Recusam-se a mudar e abrir o foco de suas linhas editoriais para dar vida e vigor ao noticiário, à análise, à opinião. Submetem-se todos a um consenso frágil e pobre, incapaz de atrair leitores. Possivelmente não o fazem porque não podem ou não querem contrariar seus dois maiores clientes (exatamente o tal ‘mercado’ e os governos). É quase impossível conciliar tudo isso com um jornalismo de qualidade, profundidade.

E aí estamos de volta à questão do dinheiro público e das estatais. O tal ‘mercado’ entra na equação ao lado ou quase ao lado do dinheiro do Estado, pois costuma haver uma afinidade ampla, quase sintonia, entre ‘mercado’ e poder público. É um verdadeiro nó de interesses.

Por sorte, jornais e revistas, mesmo abatidos ou financeiramente doentes, recusam-se a morrer. Ou morrem lentamente, longamente, ou podem ser mantidos vivos artificialmente.

E como se comporta nessa equação o gestor de dinheiro público?

 

 

 

 

 

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.