A imprensa livre do dinheiro do poder público e das estatais: seria melhor ou pior? – Parte 6 – por Osvaldo Euclides

A tecnologia de informação e a internet criaram um mundo virtual que rapidamente abrigou um número de usuários na casa dos bilhões no mundo todo, que não para de avançar, e que a tal convergência de mídia pode chegar a universalizar. Entre as muitas características desse admirável mundo novo está o fato de que a propaganda se tornou absoluta e relativamente barata, de baixo custo sob qualquer ponto de vista, e sofreu mudanças radicais de forma e conteúdo.

Esse novo padrão de gasto publicitário cria mais do que apenas uma referência financeira incômoda para os veículos de comunicação tradicionais. Na verdade, transforma estruturalmente o negócio, e lhes ameaça a sobrevivência, porque é praticamente impossível justificar que os anunciantes mantenham as verbas nos patamares anteriores. Muito mais racional que o poder público, o mercado privado já reagiu e cortou fundo os orçamentos de mídia clássica. O poder público e as estatais reagiram e estão reagindo de forma muito mais lenta e mais gradual, dando às empresas de comunicação um tempo de adaptação e uma oportunidade de encontrar saídas criativas para não ficarem sem saída.

Entretanto, o novo padrão de investimento publicitário está evidente. Só razões políticas fazem os anunciantes manterem os orçamentos de mídia nos patamares que já não se justificam. Em termos financeiros, ou seja, analisados apenas pela relação custo-benefício (ou investimento-retorno), o gasto em propaganda tem uma nova racionalidade, um novo padrão de decisões de anunciar ou não anunciar, de quanto, quando e como investir em anúncios.

As razões políticas podem sempre ter sido e ainda serem até mais fortes que as razões puramente empresariais. De certo modo, e até um certo limite, a decisão de anunciar sempre teve um componente político, fosse o anunciante público ou privado. A novidade é que, dada a dimensão da mudança, agora só as organizações de porte gigante têm razões políticas que justifiquem a manutenção do ‘status quo’ superado. Quem são essas organizações? São, essencialmente, os grandes agentes financeiros (bancos, principalmente), as gigantes multinacionais (de automóveis e telecomunicações, destacadamente), as estatais e o próprio poder público. Ou seja, são exatamente aqueles que jogam o grande jogo da política no espaço em que a política se traduz em decisões de macroeconomia, em negócios, em dinheiro, no fim das contas.

Pronto. Estamos de volta ao um por cento da população que tem a atenção e o cuidado especialmente vip dos governos e da imprensa, daquilo que se convenciona chamar de elite, ou andar de cima. E nele chegamos apenas seguindo a curva do dinheiro (diz-me um amigo que o dinheiro sempre faz a curva mais inteligente). Em outras palavras: o dinheiro estabelece o caminho e as curvas mais pragmáticas, ou seja, dinheiro procura (e encontra) dinheiro.

A imprensa enfrenta um problema duplo na escassez de anunciantes: custo alto e audiência baixa. Revistas e jornais sofrem mais, porque são pagos, são impressos e sua circulação mal chega a 1 por cento da população. Rádios e Tvs não sofrem esses problemas adicionais críticos (são gratuitos, eletrônicos e potencialmente atingem quase toda a população). Jornais e revistas nunca fizeram jornalismo para as maiorias, para o povão, para o andar de baixo. Uma escolha consciente.

Nesse grande jogo, mais complexo e sofisticado que o velho xadrez, a imprensa mantem o papel principal, o protagonismo, até certo ponto. É no espaço da opinião pública, gerido competentemente pela grande imprensa que os agentes econômicos, burocráticos e políticos se legitimam e legitimam suas escolhas. É através da imprensa tradicional, ideologicamente afinada, monolítica, que, em nome do povo, são feitas escolhas (que podem ser e costumam ser até) contrárias a seu mais evidente e direto interesse. A informação, nestes casos, funciona como um veludo que suaviza os mais pontiagudos punhais, uma forma mais ou menos sutil de anestesia.

Numa palavra, a imprensa é poder. E isso é tão flagrantemente verdadeiro que o poder político e o poder econômico deverão buscar, encontrar e oferecer às empresas de comunicação uma saída para evitar o iminente cheque mate. No mercado de capitais há um movimento de setores econômicos estratégicos a que se dá o nome de consolidação (o número de empresas diminui e as que ficam, todas enormes, articulam-se para evitar concorrência acirrada), que ainda não aconteceu na imprensa tradicional. Do ponto de vista de quem tem o poder real, este seria um preço baixo a pagar para evitar que se faça jornalismo diferente, voltado para o interesse mais amplo.

Nesse contexto visto mais de cima, nem a imprensa abrirá mão do dinheiro público e das estatais, nem as estatais e o poder público abrirão mão do suporte político que sempre lhes deu a imprensa.

A imprensa tradicional será salva, de um jeito ou de outro. Com dinheiro público, mais provavelmente que com dinheiro privado.

Antes que haja emissão de atestados de óbito em massa de empreendimentos de mídia, o mais provável de acontecer é uma dança de cadeiras, que sacrificará alguns em benefício de outros. Quem tem o poder de tocar a música define quem fica e quem sai do jogo. Nessa toada, ao invés de democratizar-se, o poder de imprensa tende a concentrar-se ainda mais.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.