O marqueteiro James Carville responsável pela campanha à presidência de Bill Clinton em 1992 cunhou o slogan ”É a economia, estúpido” para se referir a oportunidade de ouro que os Democratas tinham em conquistar a maioria do voto popular se conseguissem explorar a fraqueza da política econômica do então presidente Bush,que deixou o país em recessão. No Brasil contemporâneo onde a violência urbana ceifa a vida de milhares de pessoas diariamente e o crime organizado não se poupa de usar aparatos profissionais de execução com intenções claramente políticas, como ocorreu no caso do assassinato brutal da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, é fundamental que qualquer programa de governo responsável busque adotar medidas efetivas na tentativa de diminuir os atos de extrema violência e covardia que estamos acostumados a acompanhar com regularidade. Parafraseando Carville, ”É a segurança, estúpido”.
Setores conservadores, geralmente ligados ao deputado Jair Bolsonaro, possuem uma ”solução” simples e diretapara conter nosso caos urbano: revogar o estatuto do desarmamento, dar carta branca para a polícia trazer de volta a ”ordem”, fazer penas mais duras e acabar com os direitos humanos. Em resumo, tratar a brutalidade com mais brutalidade. Ora, em um país como o Brasil , em que os sentimentos estão tão aflorados por conta de nossas crises sociais, permitir que mais pessoas tenham acesso a uma arma de fogo seria no mínimo perigoso e imprudente. Cobrar e fiscalizar das forças públicas de segurança eficiência, rapidez e respeito ao cidadão é o caminho mais racional, ainda que neste momento pareça ilusão ou idealismo. Não podemos ver a realidade brasileira com a ótica do maniqueísmo, os polícias precisam prestar contas dos seus atos perante a sociedade, inclusive para trazer a respeitabilidade necessária a essa categoria, sendo assim imunizar as polícias com carta branca seria um atentado contra o Estado de Direito e a democracia. Fazer penas mais duras sem restaurar o nosso sistema carcerário, que funciona como uma ”universidade” do crime, não nos levaria a uma melhora no nosso quadro atual. Acabar ou arrefecer os direitos humanos, além de ferir importantes leis internacionais de regulação, seria abandonar completamente a civilização e rumar para a barbárie institucionalizada. Infelizmente, muitos brasileiros por falta de informação veem isso com bons olhos, sem se atentar para as perversas consequências dessas medidas.
A carta na manga de Michel Temer nesta seara foi a intervenção federal no Rio de Janeiro. As forças armadas trariam a paz e a ordem necessárias para a rotina cotidiana da população local, em uma situação em que o estado se encontra falido. Um mês se passou e a violência costumeira continuou dando o ar da graça, as críticas feitas ao caráter não planejado da intervenção federal, que se ocupa somente em por homens nas ruas sem se preocuparem prevenir os crimes, parecem razoáveis. Temer, como James Carville, no fundo só quis fazer marketing para a campanha presidencial.
Historicamente, os setores progressistas possuem certa dificuldade em lidar com o combate ao crime. Este campo parece ser mais propício para a direita e seu discurso pró ordem. Porém, se quiser sobreviver politicamente a esquerda brasileira precisa elaborar estratégias de repressão ao crime e restauração do espaço público, com o objetivo final de diminuição da violência urbana. Nada de conservadorismo tem nisso, é apenas uma preocupação genuína com um problema real do país. Neste momento de crise do PT e das esquerdas, um foco maior na segurança pode servir como mote ideal para a reconstrução política das alas progressistas, dando novas opções para o cidadão comum já tão cansado.
Uma abordagem que busque conciliar aplicação da lei e justiça social talvez seja o enfoque necessário para sairmos da lógica do ”bandido bom é bandido morto”. Tratar dessa temática com clareza será importante para instruir a população sobre este grave problema nacional, sem cair na irracionalidade tão presente nessa discussão.