E, na panificadora da esquina, o dia, enevoado e sonolento, nem bem despertara:
– Bom dia, senhor!
– Bom dia! Por favor, mantenha a distância de segurança! Não é por você… é por mim.
– Perdoe-me! É porque eu sou assim… meio relaxado, desligado. ‘Stá bom aqui?
– Sim. É só observar as marcas no chão… Percebeu?
– É óbvio. Perdoe-me, novamente.
Silêncio. Eles se entreolharam umas duas vezes, antes que a fila avançasse. Todos ali aguardando, passivamente, uma nova fornada de pães carioquinhas, quentinhos, cheirosos. Que está pra sair!, ponderou o solícito dono do negócio. O homem mais preocupado em cumprir o recomendável distanciamento retoma o diálogo com o vizinho relaxado:
– Apesar das máscaras, algo me diz que nós nos conhecemos…
– Será?! Nada no senhor me faz lembrar…
– Você não costumava tomar umas cervejinhas lá no Zé Maria?
– Onde?! Naquele boteco da rua estreita?
– Isso. Naquele “boteco” que a gente chamava de Shopping Amanaiara…
– Pois é. Sim, eu gostava de ir lá, nos sábados à noite…
– E aos domingos à tarde, também.
– Isso. É verdade, sim. Agora me lembro. Já faz algum tempo…
– Sim, faz. Agora já sei quem é você.
– É mesmo?!
– Inclusive, você devia honrar o fato de ser homem… de vestir calças.
– Como assim? O senhor está me acusando de quê?
– É que você me deve, desde aquela época, um dinheiro que me tomou emprestado para pagar aluguel atrasado, pra não ser despejado. Se lembra disso?
– Quem? Eu?!
– Você mesmo… que então pegou o meu dinheiro e sumiu.
– Que história mal contada! Nunca o vi mais gordo…
– O quê?!
– Passar bem! Eu lá sei quem é Zé Maria. – Abandonando a fila, o “relaxado” saiu em direção à panificadora de outra esquina, à margem da avenida, a algumas quadras dali, advertindo-se em voz alta. – Bem que a mulher me disse: “Se você continuar bebendo demais, vai acabar vendo fantasmas… vão lhe cobrar o que você deve e o que não deve”.
– Pronto, virei fantasma. Perdi o meu dinheiro e o amigo. Amigo?!
E a fila avançou lenta e gradualmente.
Se você insiste em não ficar em casa, pode correr o risco de, além de contrair o vírus, enfrentar situações inesperadas, vexatórias. Evite tudo isso. Fique em casa, senão…