EXCESSOS INJUSTIFICÁVEIS E DANOSOS DA BUROCRACIA (Parte III – Efeitos danosos)

 

“Algumas pessoas são instigadas pela vida afora por uma visão de triunfo vingativo; outras, imersas no desespero, sonham apenas com a paz, o desapego e o libertar-se da dor.” (Irvin D. Yalom, em Mamãe e o sentido da vida: histórias da psicoterapia).

 

SEGUNDO O SEU X., O MARIDO DE DONA Y., em relato comovente e minudente, o qual abaixo transcrevo literalmente, assim as coisas aconteceram.

“No dia em que o pleito da minha parceira completou ‘quinze aninhos’ – em 13 de fevereiro de 2013 –, o Neno Cavalcante (morto em agosto de 2016) publicou em sua coluna – É –, mantida no Diário do Nordeste, uma pequena nota que eu lhe enviara uns dois ou três dias antes, nos seguintes termos: ‘Dormita, esquecido e sem solução, em qualquer dos escaninhos da Procuradoria Geral do Estado, o processo ih0fgbfh-f, de 13 de fevereiro de 1998, por meio do qual a sra. YRiS requereu a aposentadoria por tempo de serviço. E já lá se vão 15 anos. Ao debutante, parabéns!’.

“Alguns dias depois, visitou-nos uma amiga da família, advogada, servidora vinculada à Seduc e, à época, cedida à PGE onde integrava a ‘equipe do mutirão’, que, com ar de incômodo, advertiu-me: Você fez meu chefe subir nas tamancas… quase sofrer um piripaque… Demonstrando incompreensão, indaguei-lhe: Eu?! O que fiz? Ou melhor, quem é o seu chefe, amiga? Ela, em tom mais amigável, satisfez as minhas curiosidades: O meu chefe é o procurador geral do Estado. Ele não gostou, coisíssima alguma, da sua nota… que ele leu na coluna do Neno. E eu acolhi de bom grado o esclarecimento: Ah, a notinha sobre o processo da dona Y. Ela aquiesceu: Exatamente. E eu aproveitei o ensejo: A respeito, doutora, eu lhe peço que use da mesma disposição com que ora me repreendeu para levar dois recadinhos a seu chefe. E com olhar de perplexidade, ela quase me interrompeu; fui mais rápido no ‘saque’, e o dedo em riste dela logo se recolheu ao convívio dos outros. O primeiro: que eu me dou por satisfeito em saber que lhe causei algum tipo de desconforto; e que ele, assim, perceba quanto de desesperança e ansiedade pode o serviço público causar em quem, no curso de quinze anos, não sabe sequer o que ocorre com uma demanda sua, de real importância para a sua vida, uma cidadã, uma profissional que por mais de um quarto de século se dedicou a esse mesmo serviço. O semblante dela agora revelava não dispor de argumentos com que pudesse me contestar. Prossegui. O segundo: é inadmissível que uma autoridade constituída não se penitencie ante o absurdo de manter sob sua guarda por longos períodos, sem mover uma palha sequer na busca de uma solução definitiva, eficaz, pleitos nada complexos, demandas simples e praticamente concluídas. Falta de condições?! E o que a peticionária tem a ver com isso?! Nada… absolutamente nada. E a nossa conversa tomou outro rumo. Já o processo não, pois só em agosto daquele ano, cinco meses depois, é que foi baixado em nova diligência.”

O burocrata, encastelado em seu ambiente de trabalho, “em clima de serra e tão bem acolhido e tratado como se estivesse no útero materno”, como costumava dizer um colega de ofício, odontólogo e analista de processos itapipoquense, corre o risco de não imaginar sequer o que pode estar enfrentando o cidadão comum por depender de uma decisão sua. Daí até a procrastinação e a tergiversação, a distância equivale a de um salto de periquito.

Voltemos ao relato do seu X., o marido de dona Y.         

“Pois bem. Tendo recebido apenas uma comunicação formal do sindicato que, datada de 5 de junho de 2014, dois dias após a publicação oficial do ato de aposentação, alertava para a eventual cobrança indevida de contribuição previdenciária, ou seja, sem a rigorosa observância ao teto legal de isenção, punha à disposição da associada o setor jurídico da entidade para, se fosse o caso, ingresso da competente ação na Justiça, ela permaneceu, com naturalidade e por alguns meses – sempre afirmando e reafirmando que jamais poria novamente os pés no Cambeba –, na velada expectativa de receber do Estado, não uma menção de louvor, num justo reconhecimento pela dedicação exclusiva e pelos bons serviços prestados na sempre crucial área da educação pública, em região periférica da capital, de difícil acesso e carente de ações e gestos que mitigassem as necessidades básicas dos cidadãos (segurança, entre elas), mas o esclarecimento do que houvera acontecido com o seu pleito que justificasse os mais de 16 anos de trâmite pelos enviesados meandros da burocracia estatal e, por extensão, a inesperada e obscura redução de valores pecuniários, haja vista tratar-se de ‘aposentadoria por tempo de serviço com proventos integrais’, conforme constava do próprio ato de concessão.

“Como isso não acontecia, pois da Seduc somente recebia os contracheques mensais que iam, mês após mês, ratificando a perda que a aposentação lhe impusera – injusta, até prova em contrário, cabe enfatizar –, resolveu recorrer ao setor jurídico do sindicato, à procura de orientação sobre que procedimento adotar em defesa dos seus direitos, incluindo o reembolso dos valores de contribuição previdenciária no curso do período em que se manteve ‘afastada’, tempo que acabara de receber nova classificação, em face da aposentadoria com efeito retroativo.

“Aconselharam-na a não mexer em ninho de marimbondos, porquanto se tratava de mais um caso em que a redução de proventos se dera com base em acórdãos do STF, não havendo como impetrar recursos, e até um mero requerimento de devolução de contribuições incabíveis poderia disparar o mecanismo de autodefesa do Estado e a consequente prestação de contas, ou seja, o jogo do direito versus a obrigação, em que comumente a corda rebenta do lado mais frágil – no caso, ela – e, portanto, o mais forte – o ente público – sempre leva a vantagem.

“Ao chegar em casa, percebi nela um rosto de desencorajamento e fadiga. E o pior: senti que, aos poucos, ia perdendo a natural disposição para a luta e assumindo, desesperançada e debilitada, a acomodação de quem se considera impotente ante a adversidade, em completo desalento, algo muito parecido com o que recentemente vivenciara, reprisando um quadro apático, letárgico e deprimente que, até então, nunca compusera o seu perfil de mulher destemida, corajosa e disposta a enfrentar as vicissitudes da vida com a cabeça erguida e convicta da vitória. Fragilizaram-na mais uma vez. Levaram-na a novo nocaute. Ela perdera o embate contra um inimigo – insensível, como todos são – poderoso e de muitos tentáculos que, não raramente, acabam uns atrapalhando os outros.

“O tempo passou. Por iniciativa própria, requeri ao TCE cópia integral do processo e obtive-a. Quedei-me, de pronto, ao entendimento da Procuradoria quanto à impropriedade da incorporação da função em comissão pela servidora não provida no efetivo exercício e o consequente retorno ao status quo ante ou ao “estado em que as coisas estavam”, ou seja, na data do afastamento, embora três situações me parecessem, então, factíveis: uma – a concessão da aposentadoria em tempo normal (poucos dias ou poucos meses) e toda essa confusão teria sido evitada e em nada afetada a saúde da servidora agora na inatividade; duas – a aposentação após a recriação dos cargos de direção na Seduc e antes da modificação do posicionamento da Consultoria Geral da PGE (entre 2000 e 2006) e a aposentanda não teria sido alcançada pela decisão de reduzir proventos, pois não se altera direito reconhecido em ato transitado em julgado (com certeza, há casos de servidores que disso se beneficiaram); três – a que acabou se concretizando, com todos os percalços daí decorrentes, cabendo ressaltar que, em nenhum momento dos mais de dezesseis anos absurdamente consumidos com um simples pedido de aposentadoria, formulado em observância a todas as exigências formais de então, algum agente público tenha reconhecido tal absurdidade, que resultou da incúria, da desídia e da ausência do ânimo que deve mover toda e qualquer ato administrativo de natureza pública (a presteza e a celeridade no atendimento da demanda cidadã).

“O tempo passou. A normalidade em família, no cotidiano, era mantida com paciência, com resiliência, com entendimento, com transparência e, principalmente, com base na crença religiosa, na fé, apesar da sensação de que andávamos pisando no afiado gume da lâmina de uma fria adaga, ou melhor, de que havia algo retesado, reprimido, com alto risco de rebentar a qualquer momento, bastando, para tanto, o disparo de algum start fora do nosso controle.

“E isso aconteceu. Em abril de 2017, através de ofício originário da Cprev, a Seplag informou que, ‘na finalização do processo de aposentadoria’, tornara-se legalmente cabível a ‘prestação de contas entre o que foi recebido pela servidora e o que deveria receber’, procedimento que, no caso, gerara ‘uma diferença de R$23.105,36’, valor este que deveria retornar aos cofres do Erário estadual, mediante ‘o desconto de 47 parcelas de R$491,60’, conforme planilha que anexou. Restava demonstrado que ‘a correção da simbologia do cargo comissionado’ – de DAS-1 para DAS-3 –, defendido pela PGE, além de ocasionar a redução dos proventos de aposentadoria de dona Y., produzira um quantum a ser devolvido da ordem de R$60.557,21 que, compensado com os R$37.451,85 das contribuições previdenciárias indevidas, limitara-se ao valor ora cobrado, com desembolso em suaves prestações mensais, no curso de quase quatro anos, lançadas diretamente no contracheque da servidora inativa. Além da queda, coice. Salve a burocracia!

Meu bom Deus! Por que me abandonastes? E agora, meu Pai, como vou pagar as minhas contas? Que provação! Não sei se vou suportar tudo isso, ó minha querida Nossa Senhora das Graças! Assim dona Y. reagiu, após ler o ofício da Seplag. Quis acalmá-la. Disse que ela houvera constituído uma poupança razoável e isso seria mais que suficiente para o enfrentamento dessa adversidade; que, apesar das perdas, ainda restava um salário capaz de suportar as suas obrigações; que não devia perder-se em preocupações que a nada levariam, que só a fariam sofrer. Estupefata, ela parecia não me ouvir. Perplexa, questionava em voz baixa: E a fatura da Riachuelo? O que fazer? E o cartão da Credicard? E os meus remédios? E as férias dos meus netos? Após repetir essas questões por algumas vezes, recostou-se no encosto da poltrona e, sob preocupante languidez, subjugou-se a um profundo silêncio, os olhos fixos num ponto – interrogativo ou exclamativo, não se sabe – inexistente no espaço à sua frente.

“À noite teve sono repleto de agitações, inquietações e desassossegos, sempre reclamando que homens e mulheres vestidos de preto, com aparências ameaçadoras e longas e pontiagudas garras, perseguiam-na. E dona Y. iniciava, assim, uma debilitante e desumanizante caminhada pelos desvãos da depressão psicótica quando, em meio a transtornos, desconfortos, desarranjos e perturbações, atormentaram-na recorrentes alucinações, delírios, distúrbios do sono e irritabilidades, com a consequente deterioração da vida social. Ao tratamento psiquiátrico, à base de antidepressivos e antipsicóticos, ela não reagiu bem. O psicoterapêutico tornou-se inviável ante a predisposição de não o aceitar. Restava, como tábua de salvação, o irrestrito apoio da família.

“As crises aconteciam diariamente. E, incrivelmente, em horário marcado: por volta das 3 horas da madrugada, estendendo-se por cinco ou seis horas de tempestades e calmarias, a nau à deriva. E se faziam notar pela agitação de braços e pernas, a que se seguiam gemidos – que mais pareciam grunhidos – e falas desconexas e incompreensíveis. Os olhos, naturalmente amendoados e castanhos escuros, pareciam adquirir um certo arredondamento e vermelhidão. A respiração ofegante e o corpo enrijecido enfeixavam um quadro surreal, assombroso, danado e… preocupante. Com muita paciência e dor – física e espiritual –, eu a carregava nos braços até o banheiro, para aliviamentos naturais e asseio facial, e, em seguida, acomodava-a em umas das poltronas da sala de estar, dando-lhe um certo conforto; sentava-me, então, em outra bem ao seu lado e a velava com o zelo de quem teme, por omissão, perder, de vez, a grata convivência com quem ama. Ao sair da crise, de nada se lembrava; era como se nada tivesse acontecido; e ainda insistia na narrativa, em detalhes, do que acabara de vivenciar.

“Com o tratamento psiquiátrico, sob a expectativa de que as coisas logo serenariam, veio a frustração de quem teve a vida forjada no imediatismo, principalmente em questões de saúde e bem estar. O quadro se agravou. Aos sintomas de antes, juntaram-se o fastio, a incontinência urinária, a rigidez mandibular e a excreção, pelas comissuras da boca, de líquido denso, enegrecido e malcheiroso. Em conversa, por telefone, com psicoterapeuta indicado por médico amigo em comum, a confirmação de que o tratamento medicamentoso era o recomendado para o caso, cuja eficácia se manifestaria de forma gradual e lenta, cabendo a mim conduzi-lo conforme a respectiva prescrição. E assim procedi.

“Num domingo, tínhamos um compromisso social – almoço, em buffet próximo à nossa casa, em celebração às bodas de esmeralda de um casal amigo –, ao qual, em face da situação, não compareceríamos. Ela, na fase de lucidez, pós-crise, insistiu para que eu fosse. Deixei-a sob os cuidados de parenta que nos visitava e aceitara o encargo. – É por pouco tempo. Logo retornarei. – Eu lhe disse isso e fui. Não se passaram sequer vinte minutos, o celular tocou e tive que retornar às pressas. Encontrei dona Y. completamente desnuda, deitada de bruços no chão do quarto, agitando braços e pernas no piso úmido de urina, cabelos desgrenhados, enfim, um quadro terrivelmente penoso. Assumi o controle da situação, enquanto a parenta, apavorada, sentou-se numa das laterais da cama desarrumada. Coloquei uma cadeira de braços, de plástico, sob o chuveiro do banheiro social, o mais próximo, e, com jeito, força e coragem, consegui transportar dona Y., o corpo enrijecido, até lá. Com dificuldade, fi-la sentar-se na cadeira e submeti-a a um banho de lavar a alma, ao ponto de ela me pedir, com olhar de alívio: Por favor, já está bom. E estava. A recuperação foi rápida. E, ali mesmo, ainda no banheiro, dois procedimentos propus a ela: o uso das fraldas descartáveis e o banho em água fria em momentos de crise.

“E os efeitos disso foram paulatinamente se manifestando de forma positiva. As agitações já não ocorriam de forma intensa, violenta. Os enrijecimentos, tanto os faciais quanto os do corpo já não se faziam frequentes. O tempo de recuperação pós-crise se reduzira para não mais de duas horas. Os banhos. Benditos banhos! E um dia ela me pediu: Por favor, não me dê mais esses remédios. Eles me fazem sofrer muito. E eu contemporizei: Desde que você me prometa que vai lutar bravamente para sair desta situação. E o acordo foi selado. Eu não lhe dei mais os remédios. Ela não mais teve crise. A vida, aos poucos, retomou o curso normal. Apenas a síndrome de pânico, surgida sem que percebêssemos, manteve-a por alguns meses distante do mundo lá fora. Vencido este outro obstáculo, a minha parceira já usufrui de vida social sob quase normalidade. Eu é que, todas as vezes que rezo o Pai Nosso, reflito profundamente na passagem ‘Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido’, por não me sentir capaz de perdoar quem, mesmo inconscientemente – sem dolo, mas com culpa –, tenha-nos causado tanto sofrimento, tanta dor. Eu não nasci pra ser santo, certamente.”

E, assim, o seu X., marido de dona Y., concluía o seu relato que muito me comoveu.                  

Há poucos dias, tive um sonho que a mim me pareceu revelador; pena que não me seja dado isso confirmar. Sonhei que me encontrava, sozinho, no interior de um templo religioso de bairro periférico, sentado em banco de madeira para quatro pessoas, numa das últimas filas, bem próximo da larga porta frontal. A igreja estava iluminada e singelamente ornamentada para acolher os fiéis que comumente participam do culto dominical, embora ainda sob apaziguante silêncio, a nave completamente vazia, apenas tomada por um suave vento de calmaria que nela penetrava pelas estreitas portas laterais. De repente, sentou-se ao meu lado um jovem, franzino, moreno, cabelos crespos, aparentando ter uns quinze ou dezesseis anos, não mais que isso, imberbe, impecavelmente vestido em trajes de coroinha – a sobrepeliz branca, com renda aplicada nos punhos e na barra, sobre túnica vermelha que deixava à mostra o tênis preto, sem meias –, o olhar e o gestual das mãos revelando esperança e tranquilidade. E logo entre nós ocorreu este diálogo:

– O senhor é o seu Chico Lu, né?

– Sim, sou eu. E você, jovem, quem é?

– Eu sou o Tiago. O senhor talvez nem se lembre de mim… do envelope lá na quadra… dos cem reais trocados…

– Lembro-me, sim. Mas Tiago… como você mudou… não de fisionomia, de corpo… você me parece outra pessoa…

– Talvez o traje de acólito… talvez seja isso…

– É. Pode ser. Mas há algo que vem do seu interior que me diz de uma nova realidade por você ora vivida, Tiago. Será que estou enganado?

– Não. Está não. É que a senhora de preto, a que me mandou entregar o envelope…

– Sim. A mulher que logo fugiu sem deixar pistas…

– Pois é. Quando eu cheguei lá fora, ela estava me esperando no carro. Me fez entrar e sentar no banco do carona. Me perguntou onde eu morava porque queria me levar até lá. Eu disse que morava na rua, não tinha casa, não tinha família. Naquela noite fria, dormi num dos quartos da casa dela. No dia seguinte, ela e o marido me trouxeram pra cá e eu fui adotado pelo padre Bernardo, o vigário desta paróquia. Ele está me preparando para o seminário. Eu acho que vou ser padre.

– Que história bonita, Tiago! Das ruas que destroem para os templos que edificam! Sabe de uma coisa, jovem: eu vou querer me confessar com você… padre Tiago!

Ele sorriu com leveza de espírito e complementou com jeito de quem ainda não largou a timidez:

– Se Deus quiser…

– E ele há de querer. – E eu, a meu modo, profetizei.

Após curto silêncio, o jovem retomou a conversa.

– Seu Chico Lu, estou aqui para cumprir outra missão. Bem mais triste. É que hoje vamos celebrar a missa da esperança, como costumam chamar a de sete dias de falecimento. A senhora de preto e o marido dela contraíram, ao mesmo tempo, a Covid-19. Foram hospitalizados, entubados, mas não resistiram. Morreram no mesmo dia. – Ele abaixou a cabeça, entrelaçou os dedos das mãos sobre o peito, como se fosse fazer uma prece, e silenciou.

E eu apenas sussurrei:

– Dona Y. e seu X., que Deus os tenha!

Acordei sereno. Estava sentado na minha rede de dormir, o lençol em volta do pescoço, desperto e pronto para as orações da manhã. E um novo dia já se descortinava lá fora para, insensível, como sói acontecer, cobrar de mim o que ainda lhe posso oferecer.

 

Post Scriptum: Em atenção ao pedido de YRiS – pra mim, a dona Y. –, cuidei de, tão logo concluí a minha parte nessa aventura, incinerar o envelope e todos os papéis a mim por ela enviados. E nem cinzas deles mais restam.

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.