Ex_Machina: E a ficção científica que se desapega do excesso

A ficção científica, como gênero, configurou-se e ajudou a explorar uma série de elementos entre forma e conteúdo. De Metrópolis (1927) a Solaris (1972), passando por Matrix (1999) e Sr. Ninguém (2009), o universo dessa cinematografia tem experimentado bastante numa proposta de realização que tem no desapego ao excesso sua maior aposta. E seguindo essa linha de pensamento foi que o realizador britânico Alex Garland criou seu distinto Ex Machina (2015).

Em sua estreia como diretor de longa metragem, Garland nos conta a estória de Nathan (Oscar Isaac) um doentio cientista que seleciona um jovem programador, Caleb (Domhnall Gleeson) para participar de um experimento, onde juntos, avaliarão a eficácia de uma android , Ava (Alicia Vikander), no campo das reações e interações entre humanos e seres de inteligência artificial. Nesse contexto, a trama se desenrola num tom de ficção de terror e suspense.

Interessante, no entanto, é pensarmos o filme antes dele mesmo. Pensarmos além do gênero. Porque estamos diante de mais uma ficção que opera em função de uma construção narrativa muito enxuta. Livres de excessos, ela flui progressivamente tratando objetivamente todos os pontos que a subjetividade da temática instiga.

Na forma, falamos do fato de se dispensar o uso de camadas autoexplicativas na obra. Numa sequência de abertura com cerca de 10 minutos de metragem somos apresentados ao núcleo dramatúrgico do filme. Caleb está diante de um monitor, ele é selecionado para participar de um programa para avaliação de um androide e conhece criado (Nathan) e criação (Ava).

A partir desse ponto, argumento principal do filme, outras linhas vão se costurando na unidade que o encerra. Num jogo sádico de indefinições, nosso olhar tenta concluir quem é quem na estória. Por suas personagens não serem, ao menos num primeiro momento, totalmente definidos, é que nós, enquanto expectadores, mergulhamos num gostoso tom de desconhecimento da natureza e papel desses tipos. E o que essa indefinição nos diz ou busca dizer?

Ela nos diz da condição que o cinema contemporâneo nos coloca atualmente. A narrativa pode e deve ser, assim como foi nas bases do realismo psicológico de Miquelangelo Antonioni, não definida por princípio. Assim, é  por isso que levamos um tempo até tirarmos as conclusões sobre a condição de Ava e as questões que a cercam. Ela é uma ciborgue de conduta duvidosa ou é uma vítima do processo da evolução tecnológica? A resposta é nossa, de alguma forma.

Essa linha de desprendimento com o olhar que o espectador experimenta para o filme certamente é a maior herança que a cinematografia que se desenha agora nos deixa. Ela coloca  pontos. Constrói perspectivas de olhar. Mas não aprisiona o modo de ver. E como receptor, posso fazer minha própria leitura sobre essa ficção científica. Aonde vai apontar a ciência que se desenha com o braço da tecnologia? As máquinas nos escravizarão?

Esses apontamentos podem até parecer clichês ao gênero Sci-Fi. Mas olhando mais atentamente para sua estrutura, “Ex Machina” opera a partir de processos muito minimalistas na sua produção. Há uma dispensa no efeito visual com o intento de um vislumbramento gratuito. Não. Aqui, Garland utiliza a ferramenta somente em função daquilo o que dá consistência à obra e a reafirma como um trabalho iminentemente original. O Oscar que o longa ganhou nessa categoria fez jus às escolhas da produção.

Ex Machina

O filme se utiliza dos recursos, como efeitos visuais, somente em função daquilo o que dá consistência à obra, reafirmando-a como um trabalho iminentemente original.

“O Exterminador do Futuro: O Julgamento Final” (1991) é considerado um dos importantes filmes cuja produção de efeitos especiais abriu precedentes para novas formas de abordagem dos recursos nessa técnica. Em termos de cifras, no entanto, “Ex Machina” foi feito com 15 Milhões de Dólares. Pelo menos 75 Milhões a menos que o longa de James Cammeron. Mas essa diferença é apenas numérica. No que se refere à proposta, Garland foi tão preciso quanto o veterano de Hollywood.

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Garland passa instruções à Alicia Vinkader durante as filmagens do longa. É a presença do realizador na obra.

Uma vez que “Ex Machina” prefere se desenhar, não como uma fábula contemporânea das relações entre homens e máquinas. É um filme que opta por ser feito tal qual um exercício de realização audiovisual. Locações únicas, núcleo de atores condensados a 8 atores, uma equipe que se envolve no fazer cinematográfico fazendo do set uma extensão da sua presença. Essa é a aura que reveste o trabalho autoral.

FICHA TÉCNICA
Título Original: Ex_Machina

Tempo de Duração: 108 minutos

Ano de Lançamento (Reino Unido): 2015

Gênero: Ficção Científica, Thriller, Suspense

Direção: Alex Garland

 

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

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Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.