Leio no Segunda Opinião um inspirado e substantivo texto de Mônica Moreira da Rocha sobre assunto relevante para qualquer pessoa. Fiquei parado na leitura inteira, e pensando especialmente num trecho: “…Nossos olhares, muitas vezes, são como espelhos distorcidos, refletindo apenas pedaços do que o outro realmente é…”. Essas palavras me tocam e já explico.
Há duas décadas me candidatei a um emprego de diretor de uma ONG que geria recursos anuais de meio milhão de euros para executar projetos de desenvolvimento de duas comunidades carentes, de interesse de uma poderosa fundação francesa. O teste de avaliação a que os candidatos eram submetidos me mostrou com média perto de 80 nos vários elementos testados, mas com um índice de 23 para Empatia, numa escala de zero a cem. Até então, não sabia bem a importância da empatia e ignorava que isso fosse mensurável.
Bem, eu até ganhei a vaga, apesar disso, em função de ter boa pronúncia em francês. A presidente da entidade me conhecia, éramos amigos, eu e o ex-marido dela.
(Rio de pensar que o diálogo – em francês – com os patrocinadores poderia ser mais importante que o trabalho – em português— com os assistidos.)
Trabalhei por dois anos e pouco, gostei, aprendi um bocado. Fui demitido assim que pedi um aumento, a presidente decidiu. Ela tinha razão, fui impositivo e exagerado. Advinha o que faltou?
Compreendi melhor a relevância da falta ou da baixa empatia. Numa palavra: você e o outro (ou a outra) são (quase) tudo o que importa no mundo, na vida. A qualidade dessa conexão pode simplificar ou complicar esse tudo.
Preocupei-me.
Uma amiga psicanalista a quem consultei sobre como eliminar ou resolver o problema, disse que era impossível, tarde pra mim. Que me conformasse e seguisse.
Tentei providências objetivas, pelo menos para aliviar o drama: falar com as pessoas sempre de perto, olho no olho, atenção total, interesse sincero, foco nas palavras, não deixar a mente divagar. Treinava o seguinte: tentar falar com os olhos, primeiro sentir com os olhos, reação rápida só com os olhos.
E, fundamentalmente, caprichar no uso rigoroso, cauteloso das palavras.
A experiência de professor universitário também contribuiu. A moçada ensina o tempo todo e ensina bem, diálogos e lições inesquecíveis.
Seguia.
Resolvi que tinha de falar com as pessoas certas. Escolhi cuidadosamente. Trouxe-as para perto de mim. Combinamos conversas regulares, contínuas, honestas. Meus interlocutores eram pedaços de mim que estavam espalhados nos espelhos do passado: a criança, o adolescente, o rapaz …A pauta era livre, aberta. Podia brigar na hora, depois construir compreensão, sendo permitido chorar, desde que se abrisse o caminho para sorrir…
O que, creio, me trouxe os melhores unguentos para minha incorrigível baixa empatia foram dois hábitos que criei, cultivei e ampliei: ler e escrever. Nunca li nem escrevi tanto quanto nos últimos quinze anos. Estou aprendendo a ler livros à medida que os escrevo (ou será o contrário?).
A batalha contra a falta de empatia pode estar perdida. Entretanto, isso não é mais importante que outros desdobramentos. Não desisto de mim, nem do outro.
Estou evoluindo na arrumação dos pedaços de mim. Aos setenta, digamos, eu já me sinto um rapazinho.