A crise por que passa o Brasil é complexa. Ela está relacionada, entre outros fatores, com a construção da ética. A impunidade não deve ser a regra e as pessoas precisam ter motivos para cumprir as leis pactuadas. Um ponto forte dessa configuração é a crise da representação política. Ela não existia quando, no Brasil, havia uma certa homogeneidade, uma hegemonia cristã. Nesse contexto, a ética da santidade das pessoas, e também dos políticos, dava conta do processo. Dizia-se que “se a justiça dos homens falham, a de Deus nunca falha”.
Chega o momento em que a santidade não é a qualidade decisiva numa eleição do legislativo, pois é o partido quem deve ser responsabilizado. Os controles externos criados para que a lei seja cumprida se desenvolveram e a impunidade, tendendo a diminuir, deixa para o eleitor escolher aquele que fortaleça os vínculos da política com a sociedade para garantir não apenas a governabilidade, mas a representação da sociedade, cada vez mais diversificada social e culturalmente. O desafio passa a ser o fortalecimento partidário.
Espera-se dos nossos legisladores mais do que a “santidade”, tarefa para os partidos, a representação política dos projetos veiculados. No debate do século das Luzes, século XVIII, Rousseau já desconfiava de que ninguém poderia representar à vontade de outro, daí a necessidade da Vontade Geral, isto é, a soberania popular, ter sua referência nas leis e, sempre que preciso, por meio de plebiscito ou referendo. Ele fazia parte do grupo chamado Contratualistas, pois consideravam as leis, fruto de um contrato com a sociedade civil, justifica a submissão do cidadão ao Estado laico. Hobbes confiava excessivamente no Executivo, Locke, no Legislativo, e Rousseau, na sabedoria do povo. O foco, portanto, era a hegemonia, o pensamento único. Hobbes, por exemplo, tinha medo de que o Estado Eclesiástico, como era chamado, e o Estado Civil convivendo, fragilizassem um ou outro. Havia o medo da diversidade e dos partidos, que começaram a ser possível quando se pensou que os diferentes deveriam sobreviver à massificação.
Esse debate, transferido para a atualidade brasileira, traz um dado importante: a democracia brasileira tem uma sociedade civil muito diversificada, tanto pelas classes sociais, quanto pelas minorias culturais que começam a perceber a sua força e o seu papel político enquanto organização da sociedade, fazendo com que a representação política necessite alcançar essa diversidade. Os partidos políticos, sendo a mediação desse processo, precisam fazer a ligação do cidadão aos seus projetos de sociedade. Os partidos políticos, assim, mostrando coerência e realização, fidelizam a sociedade civil para que surjam políticas sociais coerente com sua visão de mundo. A Santidade, portanto, vai tomando novo foco. Quem deve cuidar da santidade dos políticos é o partido político. O cidadão aprovará sua coerência.
A reforma política, proposta como prioritária, pode fazer com que essa caminhada que o Brasil vem fazendo no sentido de aprimorar sua representação tenha retrocesso. O voto distrital puro proposto pelo legislativo vai na contramão dos partidos políticos enfatizando a santidade apenas para os políticos. O voto proporcional e universal, em vigor, tem contribuído para desenvolver alguns partidos com representação da sociedade civil. PSDB e PT com seus respectivos partidos satélites. Tem fortalecido também partidos regionais, utilizados até agora como auxiliares nos respectivos projetos nacionais dos partidos que chegaram ao poder político. Destaque para PMDB e DEM, que também tem seus satélites.
Esses modelos, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, estão na berlinda, pois atenderam à realidade do século XX e da guerra fria. O Brasil também está necessitando refletir, na reforma política, da real necessidade da própria reforma, quando ainda estamos fortalecendo seu modelo de participação política e representação. Consideramos que o voto distrital misto poderia ser o único modelo a ser pensado, pois contemplaria cada natureza do nosso sistema partidário apresentado. Ele é, sem dúvida, criativo e inovador. Nada nos garantiria que, mesmo o voto distrital misto, traria aperfeiçoamento na representação.
Esse debate tem um foco importante: Os partidos políticos são os principais instrumentos para a consolidação da ética que estamos a construir. Do contrário, retomaremos o tradicional, o voto personalista, políticos que iriam vender seu passe no mercado político.