Sabe quando você pega um livro sem saber muito bem o que esperar e, de repente, está filosofando sobre a vida, a arte e ainda rindo sozinha? Pois é, foi exatamente o que aconteceu comigo ao abrir o …e por falares e cantares… de Pedro Gurjão. Antes mesmo de entrar na trama, já fui fisgada pelo prefácio: musical, poliglota, escritor premiado, inovador em gestão pública, cativante em auditórios… e ainda por cima simples? Quem é esse ser mitológico? Passei bons minutos pensando se isso tudo era mesmo real ou se o autor do prefácio teria exagerado um pouquinho. Será, Osvaldo Araújo?
Logo depois, me deparei com a homenagem aos 100 anos de Millôr. Pronto, me perdi de vez! Como fã de carteirinha, lá fui eu revisitar suas pérolas. E como Millôr diria, “o livro não enguiça”. Diante da robustez do livro de Gurjão, me perguntei: será que eu vou?
Confesso que foi difícil deixar Millôr por Gurjão. Do primeiro, eu já sabia o que esperar; do segundo, honestamente (desculpa, Pedro), não fazia ideia. Mas segui adiante, curiosa.
Quando cheguei às “Notas do Autor”, a promessa de brincar com métricas e ignorar regras acendeu minha curiosidade. Gurjão sugere uma liberdade criativa que me intrigou ainda mais.
A Série Teu Nome é Mulher é um mergulho no universo feminino através dos tempos, sempre com pitadas de humor e crítica. Títulos como A Vênus de carne e osso e Eis ‘A Mulher Impossível!’ já insinuam ironias sobre os ideais femininos, enquanto Perigos do Banho ao ar livre e Fatalidade em Desdêmona prometem abordagens mais dramáticas. A miscelânea de referências artísticas e literárias é uma delícia, e o autor nos conduz por cenas históricas e mitológicas com leveza e humor em momentos inesperados. A comparação da estátua de Vênus Pudica com a mulher idealizada, por exemplo, é uma fina ironia sobre a busca pela perfeição feminina.
O livro continua surpreendendo nas séries seguintes. Em Anecdotas e Causos Verídicos, por exemplo, a leveza e o humor afloram em causos como “Qual dos dois ele escolheu: Um flat ou um mausoléu?”, e o hilário “Tem medo de lobisome?”. Na série sobre Fortaleza, memórias e afetos da cidade são resgatados com aquele toque nostálgico, e nas reflexões filosóficas de Papo-Cabeça e Altas Filosofias, encontramos provocações como “E o Nietzsche era ateu? Pois graças a Deus!”.
O humor de Gurjão passeia entre o erudito e o coloquial, como nas trovinhas e observações mais leves, mas ele também não perde a oportunidade de nos fazer refletir profundamente sobre o amor, o tempo e a existência. Livino, o protagonista, explora filosofia e ciência em sua busca para escapar da degradação do tempo, enquanto o autor nos presenteia com referências a Nietzsche, Kundera e Bertrand Russell, sempre mantendo um tom acessível.
Pedro Gurjão tem o raro dom de transformar o denso em algo leve, o clássico em algo contemporâneo, e ainda nos fazer rir enquanto nos faz refletir. Cada capítulo é uma nova surpresa, seja na forma de um conto cômico, uma reflexão filosófica ou uma análise artística cheia de ironia. E a melhor parte? Ele nos faz pensar sem perder a leveza, fazendo o leitor se perguntar o que mais esse livro pode revelar.
Ah, e foi minha irmã Renata (que nunca erra!) que me recomendou e emprestou o livro de Gurjão. Com uma dedicatória do autor, nada menos! Ela comentou que, ao lê-lo, finalmente entendeu melhor a afirmação de Fernando Pessoa de que a maioria das pessoas pensa com a sensibilidade, mas ele sentia com o pensamento. O maior elogio, no entanto, foi dizer que o livro de Gurjão estará ao lado de Balzac, um dos escritores que ela mais admira.
Renata, pode ficar tranquila que devolverei seu livro, só estou escolhendo o ano certo.