Nos últimos dias, uma inversão importante aconteceu na cobertura política da grande e tradicional imprensa que domina a pauta e a audiência no Brasil. Desde o mensalão, passando pelo petrolão, assim como pelo impeachment da presidente e pela prisão do ex-presidente (todos estes eventos tinham o PT como alvo não único, mas central, diga-se), jornais, rádios, revistas e televisões fizeram campanha de notícias, de análises e de opiniões contra o que é mais natural na política, que é o próprio jogo político, de negociações, de debates, de trabalho nas bases regionais, de discursos nas tribunas, de busca de votos, de alianças e de rompimentos, de busca de financiamento para campanhas, de pressão de todo tipo. Tudo isso acabou sintetizado em duas palavras, corrupção e propina. Os “políticos” viraram pessoas sem credibilidade, sem caráter, sem moral para votar, criminosos, o mal do país.
Parece que fatos recentes ligados principalmente ao novo presidente da República e a seu método confuso de governar e de se comunicar mudaram a consciência dos editores de cada um desses grandes veículos. Agora, a política é mais que necessária, é imprescindível, só ela dá sentido a tudo, na gestão pública, na vida democrática, na divisão dos poderes, na representação, só com a política se pode alcançar o objetivo maior e mais nobre de uma sociedade moderna, organizada, livre. A construção de um futuro melhor só se faz através da política, agora reconhecem, proclamam e defendem os mesmos que passaram muitos dos últimos longos anos condenando-a, enxovalhando-a, criminalizando-a.
Para quem vive atento aos consensos que a imprensa constrói, a surpresa é pequena e a explicação é quase evidente. Há uma pauta de reformas que a hegemonia de sempre quer ver completada e isso só pode ser feito com o cumprimento de algumas formalidades. E no caminho está o Congresso, e no Congresso os políticos decidem. Os políticos agora são necessários e imprescindíveis. E no momento, o Poder Executivo (pelas razões mais insondáveis até este momento) não quer praticar a política como ela é, como ela sempre foi. O Presidente, no comando absoluto de Poder Executivo força a barra para fazer do seu jeito. Estranho é que esse jeito significa não interferir, ao que parece.
O que deveria ser um sinal de liberdade para o Congresso legislar em defesa do interesse do povo, sem pressões do Executivo, do mercado e da própria imprensa, está sendo percebido como algo perigoso. Neste modelo, as reformas e seus resultados podem sair do controle, ou não serem aprovadas, ou aprovadas de um jeito indesejado (por quem costuma ver seus desejos atendidos por congressistas que lhes parecem submissos, mantidos em rédea curta ou apenas premiados por bom comportamento). A questão é real, pois as reformas são a motivação última e profunda de tudo de relevante que aconteceu na política depois da eleição de 2014. As reformas abraçam e abarcam os gigantescos negócios e interesses financeiros em jogo desde então. Lei do Teto de Gastos, Reforma Trabalhista, entrega da Embraer, entrega do pré-sal, privatização geral (Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica…) & ´otras cositas mas´. O Michel Temer deu um bom avanço, mas empacou na Reforma da Previdência.
Curiosa a política: se o Presidente fizer o que o mercado quer, ele se torna inútil para o mercado. Se ele não está disposto a fazer, ele já é inútil. A bola está com o Congresso Nacional. E o que ele fizer é que definirá como cada senador e como cada deputado entrará para a história. Será que a política não é capaz de encontrar uma saída honrosa para equilibrar o legítimo interesse do mercado com as reais necessidades do povo? Ou seria melhor dizer entre as legítimas necessidades do povo e os reais interesses do mercado?