Em prosa e em verso, por Luciano Moreira

CRONICANDO EM PROSA

A BELA E A FERA

Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.

Chamemo-la de Angélica. De Angelus. Angelical, isso mesmo. Além de bela, meiga e generosa, deixava transparecer uma felicidade irradiante, que desbordava da frágil aparência física. Um anjo.

Chamemo-lo de Herculano. De Hércules. Hercúleo, isso mesmo. Além de espadaúdo, musculoso e enorme, deixava, por onde passasse, a marca indelével da sua ignorância áspera, que a todos amedrontava e subjugava. Uma fera.

Quis o destino que os dois se encontrassem pelos tortuosos meandros da vida. E, por um desses mistérios que não consegue a razão explicar, apaixonaram-se.

Da paixão ao casamento, fluiu rápido o curto tempo de cumprimento das burocracias – as sociais e as religiosas. Para o espanto de todos, ressalte-se.

Enquanto houve lua, mel. Logo, logo, instalou-se o império do fel.

Enclausurada a fórceps, sob o jugo ameaçador do seu senhor e sob o açoite impiedoso do seu algoz, a bela Angélica sofria… embora o que mais a acabrunhasse fosse a dor moral. Essa, sem dúvida, muito difícil de suportar.

Mesmo assim, teimava em alimentar uma esperança: a de, pelo amor, domar a fera. Para tanto, paciência, compreensão, perseverança e fé.

Apostou alto naquilo em que acreditava tanto. Debalde.

O tempo passou… a situação agravou-se.

Uma certa manhã, após mais uma sessão de tortura – física e moral –, a boa Angélica sucumbiu: arrumou os seus trapos e sumiu.

MORAL (em cearês clássico): Água mole em pedra braba, tanto bate até que acaba.

E EM VERSO

OH!

(…a verdadeira virtude está

no sincero e difícil arrependimento

e não na inocência boboca.

Mário Quintana)

Sob a sombrinha da sombria sogra (dela!), a serelepe sobrinha serpenteia

sem cerimônias,

mas com invejável naturalidade!

Com que interesse?!

Que objetividade!

(…)

E eu – já desprovido de certos cuidados – recrio minhas inconcretudes,

que só me fazem mal à sexagenária saúde…

embora me transportem a outra irreal idade!

Desejos pecaminosos?!

Que mente perniciosa!

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.

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Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.