CRONICANDO EM PROSA
A BELA E A FERA
Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
Chamemo-la de Angélica. De Angelus. Angelical, isso mesmo. Além de bela, meiga e generosa, deixava transparecer uma felicidade irradiante, que desbordava da frágil aparência física. Um anjo.
Chamemo-lo de Herculano. De Hércules. Hercúleo, isso mesmo. Além de espadaúdo, musculoso e enorme, deixava, por onde passasse, a marca indelével da sua ignorância áspera, que a todos amedrontava e subjugava. Uma fera.
Quis o destino que os dois se encontrassem pelos tortuosos meandros da vida. E, por um desses mistérios que não consegue a razão explicar, apaixonaram-se.
Da paixão ao casamento, fluiu rápido o curto tempo de cumprimento das burocracias – as sociais e as religiosas. Para o espanto de todos, ressalte-se.
Enquanto houve lua, mel. Logo, logo, instalou-se o império do fel.
Enclausurada a fórceps, sob o jugo ameaçador do seu senhor e sob o açoite impiedoso do seu algoz, a bela Angélica sofria… embora o que mais a acabrunhasse fosse a dor moral. Essa, sem dúvida, muito difícil de suportar.
Mesmo assim, teimava em alimentar uma esperança: a de, pelo amor, domar a fera. Para tanto, paciência, compreensão, perseverança e fé.
Apostou alto naquilo em que acreditava tanto. Debalde.
O tempo passou… a situação agravou-se.
Uma certa manhã, após mais uma sessão de tortura – física e moral –, a boa Angélica sucumbiu: arrumou os seus trapos e sumiu.
MORAL (em cearês clássico): Água mole em pedra braba, tanto bate até que acaba.
E EM VERSO
OH!
(…a verdadeira virtude está
no sincero e difícil arrependimento
e não na inocência boboca.
Mário Quintana)
Sob a sombrinha da sombria sogra (dela!), a serelepe sobrinha serpenteia
sem cerimônias,
mas com invejável naturalidade!
Com que interesse?!
Que objetividade!
(…)
E eu – já desprovido de certos cuidados – recrio minhas inconcretudes,
que só me fazem mal à sexagenária saúde…
embora me transportem a outra irreal idade!
Desejos pecaminosos?!
Que mente perniciosa!