Analisar um debate eleitoral da corrida presidencial exige muito mais conhecimentos de psicologia e marketing do que propriamente de ciência política, economia e de administração. Se desde Sócrates sabe-se que o que ignoramos é sempre muito mais do que o que sabemos, nesses confrontos de candidatos o que eles dizem diz muito menos do que o que eles não dizem. É nessa perspectiva de pouca ciência e alguma intuição que se pode ousar uma análise do debate da noite desta sexta-feira na Rede TV. Por partes.
Marina Silva protaganizou o melhor momento do debate, quando, num rompante administrado de sinceridade disse ao candidato Jair Bolsonaro o que Jair Bolsonaro efetivamente é. E fez isso com o rosto quase a apenas dois palmos do nariz do ex-capitão.
Guilherme Boulos conseguiu tirar Geraldo Alckmin da zona de conforto. E isso não é pouca coisa. Bastou dizer de maneira límpida o que todo mundo sabe, mas precisa ser dito, ou seja, Alckmin é “um dos 50 tons de Temer”. A bem da verdade, diga-se que Boulos já havia dito diretamente a Bolsonaro o que Bolsonaro é, no debate anterior: machista, homofóbico, racista. Da esquerda de verdade, Boulos tem que embalar melhor as suas “verdades”, se quer realmente brilhar, em vez de apenas dizê-las.
Ciro Gomes é o candidato mais preparado, tudo indica. E tem se comportado nos debates, como dele esperam seus adversários. Talvez comportado demais. Era dele que se poderia esperar um confronto mais sincero e direto com Bolsonaro, mas ele preferiu ser simpático ao “colega da Câmara” (e Marina roubou dele e de Boulos o crédito). Também dele se poderia esperar um ‘gancho’ (na linguagem do boxe) em Alckmin, mas ele preferiu a cortesia (atacou FHC, poupou o Geraldo). Ciro está sendo Ciro? Ciro está sendo o que é ou o que deve ser?
Geraldo Alckmin não precisa vencer nenhum debate. Ele tem todo o sistema econômico e financeiro a seu lado, sem falar no apoio da mídia e do tal Centrão. A ele basta não cometer nenhum erro tão grave ( e bota grave nisso) que não possa ser ignorado. Por isso, ele faz respostas sem sentido, com frases sem verbos. Só Boulos o obrigou uma vez a explicar-se.
Jair Bolsonaro é fenômeno falso. Ele é fruto do ambiente ‘fake’ da política, mantido porque não há real debate de nada, nunca. Ele é falso, mas não deixa de ser fenômeno. Permanece ou cresce porque nunca foi enfrentado de fato. Por razões diferentes, tem a mesma estratégia de Alckmin: evitar erros graves demais.
Álvaro Dias impressiona pela voz e pela dicção. Só. E pendurou-se num bordão que agrada a um imenso número de idiotas: Sergio Moro para ministro da Justiça. Fora disso, bom tucano que na verdade sempre foi, não diz nada.
Cabo Daciolo não quer realmente ser presidente. Basta-lhe virar celebridade. Tudo está a indicar que ele atua na busca de ser um grande pastor de ovelhas religiosas fanáticas (quem sabe montando sua própria igreja) ou ganhar o comando de um programa policial numa grande rede de TV. Se não der, terá ganho a futura reeleição para deputado de graça.
Henrique Meirelles acredita que é Henrique Meirelles, uma figura que ele mesmo criou e moldou ao longo de anos no mercado de gigantescas transações bancárias. Seu sucesso financeiro é o único verniz de toda a sua mediocridade. É o candidato perfeito do ‘mercado’. Mas o ‘mercado’ tem dinheiro e poder, mas não tem votos.
Por último, mas não menos importante, é de se lamentar a pouca quantidade, a baixa qualidade e a profundidade zero da imprensa nas eleições.