EDUCADOR, BALEIA E SONRISAL

 

Escrever sobre educação parece ser uma coisa repetitiva. Há dez anos fiz uma versão deste artigo e ele não conseguiu avançar no que questionei lá atrás. Repeti o mesmo título. E aí seguem as reflexões.

Não sei se as crianças de hoje se adaptariam aos métodos da escola de 30, 40 anos atrás, quando alguns livros didáticos pareciam intocáveis pela ação da renovação pedagógica que vem se processando até então. 

Muitos professores recorriam apenas à leitura de manuais em sala, deixando para uma formação complementar a leitura de livros paradidáticos. Era aprender ou ficar para trás, com uma sensação de que os que iam para frente estavam próximos da vitória e os que eram reprovados teriam menos chances na vida. Como jovem de classe menos favorecida, experimentei as duas alternativas de quem freqüentava a escola. Vi colegas ficando para trás num dado momento e sofri o amargo gosto de ter atolado no atraso de uma repetência. De quem era a culpa pela reprovação? Antes, todos diziam ser do aluno. O coitado era inadaptado ao estudo. Hoje, há os que culpem o sistema e seus métodos mirabolantes; a escola mais parece um laboratório de tantos experimentos educacionais, daí o governo enfileirar tantos planos salvacionistas para a educação brasileira. Pouca gente atenta, simplesmente, para o fato de que entre a escola e o aluno há um conjunto de fatores que determinam o êxito ou o fracasso do ensino. Dentre os fatores decisivos para o sucesso na educação está um que se configura como o mais importante, o educador (professor e todo aquele que trabalha para o desenvolvimento da educação). E o que é ser educador numa escola que reflete um modelo completamente distinto da realidade? Digo já.

Ora, o sistema não admite falhas. O Ministério da Educação recebia do Banco Mundial as metas a serem cumpridas, repassava essas metas para as Secretarias de Educação dos estados e municípios e estes para as escolas (Hoje, o MEC é apenas um ministério terrivelmente abalado, como a Casa de Asher, de Edgar Alan Poe. Porém, as coisas não seguem essa lógica. Quando se criaram programas como bolsa escola e bolsa renda, para manterem os filhos de quem tinha renda até R$ 90,00 na escola, “ignorava-se” que o fator econômico das famílias que vivem nesta condição é da mais absoluta miséria? Como educar numa realidade assim? Ademais, as escolas das periferias, que atendem a este público, estão longe de oferecer uma estrutura capaz de assegurar uma educação sem algum tipo de complemento como as tais das bolsas compensatórias. Não fosse a merenda escolar, muitas escolas já tinham fechado as suas portas.

E os educadores, que outrora ostentavam o título de mestres (muito além dos títulos acadêmicos universitários), e eram ouvidos numa perplexa admiração pela erudição e facilidade com que dominavam os assuntos (não precisavam vender rifas ou abrir as sacolas na hora da merenda para exporem produtos da Avon ou da Jequiti). Parece que professor leitor se tornou coisa tão rara numa cultura de axé, sertanejo universitário (sic) e pagode sonrisal. 

Para não parecer saudosismo, o que dizer do computador ligado à internet como fonte quase ilimitada de possibilidades de se trabalhar o conhecimento? Pensar um passado mais favorável à educação é defender que as possibilidades de se aprender com mais recursos materiais do que antes, favorece a autonomia do indivíduo e pode lhe propiciar muito mais chances do que outrora. Com tanto livro publicado, tanta informação que pode ser armazenada, tantos recursos tecnológicos, tantas teorias e métodos, tudo isso ficar ocioso por incompetência de gerenciamento político do país. O maior crime de lesa pátria de todos é abandonar a Educação. Infelizmente, a Educação que é repassada pelos órgãos governamentais esbarra na pobreza do povo, na corrupção do sistema e no desrespeito ao educador. No país mais populoso do mundo, o educador é o que é mais bem pago. Reconhecimento de um governo que sabe a necessidade de desenvolver pelo conhecimento uma nação que tem mais de um bilhão e meio de habitantes. E a China é um dos países que mais crescem economicamente no mundo. 

Enquanto o educador não for reconhecido e valorizado como efetivamente deve ser, vamos olhar para frente meio desconfiados, sem saber por que o dólar sobe, a bolsa cai e os economistas botam a culpa na especulação financeira mundial. 

Salvem o educador antes de salvarem as baleias, antes de salvarem as florestas, antes de salvarem as reservas de água potável do Brasil. De que adianta salvar essas coisas se não teremos educação para usufruí-las? Pensem bem. Pensar é o início do processo educativo.

Carlos Gildemar Pontes

CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]

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