Carta do diretor do hospital para o diretor do jornal


Prezado Senhor,

 

tenho motivos para pedir sua preciosa ajuda no sentido de levar ao conhecimento público um caso excepcional. Num quartinho localizado no sótão de nosso hospital, mora atualmente um homem de 27 anos, chamado Joseph Merrick, natural de Licester, cuja aparência é tão assustadora que não lhe permite nem sequer sair ao jardim durante o dia. Por causa de sua terrível deformidade, ele recebeu o nome de “homem elefante”. Não vou chocar seus leitores com detalhes das enfermidades desse infeliz, que só tem um braço apto ara o trabalho.

 

Há dezoito meses, o dr. Treves, cirurgião do London Hospital, viu esse homem se apresentando numa rua em frente ao hospital, em Whitechapel-road. O coitado estava enrolado numa cortina velha, tentando se esquentar com um tijolo aquecido por uma lâmpada. Assim que ele e seu empresário coletaram uma quantidade suficiente de dinheiro, o pobre Merrick tirou a cortina e se mostrou em toda a sua deformidade. Ele e o empresário dividiam os ganhos até a polícia proibir essa exposição como atentado ao pudor.

 

Não podendo mais ganhar a vida na Inglaterra, Merrick foi para a Bélgica, onde, sob o comando de um austríaco que se tornou seu empresário, conseguiu guardar cerca de cinqüenta libras, mas, sempre escorraçado pela polícia, levava uma vida miserável. Um dia, ao constatar que suas apresentações já não despertavam interesse, o austríaco fugiu com as suadas economias do pobre Merrick, deixando-o sozinho e desvalido num país estrangeiro. Felizmente, tinha algo para penhorar e com isso conseguiu dinheiro bastante para pagar a viagem de volta à Inglaterra, pois achava que seu único amigo no mundo era o dr. Treves, do London Hospital.

 

E foi com muita dificuldade que chegou até nós, pois em cada estação, em cada parada, curiosos se aglomeravam a seu redor e o seguiam, de modo que seu trajeto até aqui não foi nada fácil. A roupa do corpo era tudo que ele tinha quando entrou no hospital. Nós o aceitamos, apesar de, infelizmente, não termos esperança de curá-lo, e agora a pergunta é: o que vamos fazer com ele no futuro?…..

 

(Trecho inicial de uma carta de Francis Carr-Gomm, diretor do London Hospital, ao editor geral do jornal londrino THE TIMES, em 04.12.1886, publicada na íntegra no livro CARTAS EXTRAORDINÁRIAS, organizado por Shaun Usher, 2014, Companhia das Letras).

 


 

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SEGUNDA OPINIÃO é um espaço aberto à análise política criado em 2012. Nossa matéria prima é a opinião política. Nosso objetivo é contribuir para uma sociedade mais livre e mais mais justa. Nosso público alvo é o cidadão que busca manter uma consciência crítica. Nossos colaboradores são intelectuais, executivos e profissionais liberais formadores de opinião.

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