No fundo, a esquerda brasileira não é radical. Uns e outros podem até defender posições mais fortes e fazer um discurso mais agressivo. Entretanto, não há planos, nem projetos, nem ações radicais que se proponham ou tentem desestabilizar nem a democracia, nem o capitalismo – a resistência armada dos anos de chumbo pode ser a exceção que confirma a regra, apesar de órfã, pequena e dispersa. Tais posições e discursos mais firmes sequer chegam a perturbar o curso natural do funcionamento das instituições mais tradicionais – a Imprensa, a Igreja, o Parlamento, o Executivo, o Judiciário, o sistema econômico. Criticam, às vezes duramente, o mercado e suas injustiças e assimetrias, mas não agem para violar as suas leis mais básicas, a partir da lei da oferta e da procura. Criticam ferozmente os governantes e o Estado, mas não atuam para destruí-lo, nem mesmo para enfraquecê-lo. Quando muito, exageram nas propostas de interferência estatal aqui, ali e acolá.
Nem Getúlio Vargas (aquele dos anos 1950), que foi levado ao suicídio, nem João Goulart, que foi deposto pelos militares, eram radicais na verdadeira acepção da palavra. O ato mais radical de João Goulart é um aumento de cem por cento do valor do salário mínimo, quando ele era ministro de Getúlio. E Getúlio cedeu a pressões e recuou na medida – parece que não recuou o suficiente.
Possivelmente o ato de governo mais radical que se conhece no Brasil é o sequestro das disponibilidades bancárias feito no ano de 1990, pelo presidente eleito Fernando Collor, no primeiro dia de seu mandato. Para rivalizar com essa violência econômica colorida, em matéria de radicalidade, só a recente Reforma Trabalhista, que passa uma régua nas regras do trabalho, ou a Lei do Teto de Gastos, que congela por 20 anos os gastos públicos de natureza administrativa e social. E ninguém vai dizer que Michel Temer e Fernando Collor são de esquerda.
O radicalismo é, entretanto, a marca de momentos de ruptura da normalidade democrática, conduzidos pelo centro ou pela direita do espectro político. Os eventos de 1954 (suicídio varguista), a deposição de Jango em 1964 (por uma articulação civil e militar, com apoio até da Igreja e da Imprensa) e agora mais recentemente a interrupção do mandato de Dilma Roussef com o frágil argumento legal das “pedaladas”. A justificativa oscila entre o combate moralista da corrupção e o velho perigo comunista, ambas de credibilidade cada vez menor, à medida que melhor se pode olhar na perspectiva histórica os eventos e os atores.
Neste momento, o que mais assusta os mais atentos observadores do cotidiano político é a tendência do radicalismo de caminhar para o fanatismo cego e surdo.