A Constituinte de 1988 tem o espírito parlamentarista. Sarney, contudo, quando presidente, conseguiu reverter o processo e influenciar o plebiscito decisório do sistema de governo para que o presidencialismo de coalizão se instalasse como o sistema de governo. A tradição de conciliação típica da sociedade brasileira e a experiência imperial deram sobrevida ao Brasil comunitário. Se essa tradição fortaleceu o Presidencialismo, o Brasil veio a se tornar mais competitivo na economia e na sociedade, mas o sistema partidário não acompanhou essa dinâmica para fazer a relação com a política.
Vale lembrar que os partidos políticos são necessários não apenas para a governabilidade do modelo, reforçando o pacto civilizatório que lhe dá legitimidade, mas também por ser o instrumento republicano do pacto social, onde os valores de igualdade e liberdade encontram terreno fértil para se desenvolver. As constantes interrupções da vida partidária brasileira, por golpes ou não, dificultaram sua institucionalização. Aconteceu logo na proclamação da República, em 1898, na Revolução liberal de 1930, no Estado Novo, em 1937, na Constituinte de 1945, no governo militar de 1964 e na Redemocratização de 1988.
O caminho do liberalismo brasileiro e da democracia representativa tem sido lento e, embora sempre inacabado, acompanha a globalização. A crise recente com o “Mensalão” e o “Lava Jato” revelaram que as dificuldades para que a soberania popular se expresse estão vinculados à criatividade que o modelo do Presidencialismo de coalizão pode propiciar. Assim, a democracia delegativa, um traço do Brasil tradicional, o reforço ao personalismo, tem sobrevida. O financiamento de campanha pelas empresas se revelou uma causa e um empecilho importante para o fortalecimento da representação, onde os parlamentares não representavam a sociedade civil e se constituiu a principal fragilidade institucional da democracia brasileira, inibindo os partidos políticos na conquista do eleitor.
Essa transição do Brasil tradicional para o moderno gera mudanças significativas na relação dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. A mudança corresponde também à emergência de uma nova cidadania. A relação entre esses poderes se revelou numa disputa por espaços políticos por setores da sociedade civil. As mudanças são progressivas: As medidas provisórias já fortaleciam o Executivo. As articulações parlamentares eram as armas do Legislativo nessa disputa, mas seu potencial veio à tona quando da rebelião que este poder protagonizou com a liderança do Deputado Eduardo Cunha. O desequilíbrio de forças da relação entre Executivo e Legislativo, foi fruto de articulação de uma maioria parlamentar pelo Deputado que se preparou para o embate com a Presidente da República, Dilma Rousseff. Chega ao estremo quando pede o impeachment do Presidente. Já o Judiciário se fortaleceu também com o protagonismo de parte dele, inicialmente com a judicialização. Posteriormente, com o recurso às Delações “premiadas”, um instrumento forte semelhante às medidas provisórias do Presidente. Esse protagonismo foi importante nessa correlação de forças. Chega a lhe estimular a participar dessa disputa no seio da sociedade civil.
Esse é o momento da crise brasileira, um momento de inflexão! Esse cenário de disputa dos poderes da República brasileira é enriquecido com o aumento de competitividade na sociedade e se reflete na cidadania que se apresenta com uma diversidade propícia para o desenvolvimento de um sistema partidário. Assim, a democracia brasileira se organiza para além da luta de classe, enriquecida com estas diversidades que o século XXI fortaleceu.
O impeachment aconteceu! Ao contrário do acontecido com Collor de Mello, onde havia uma expectativa forte de que a ética iria acontecer, o de Dilma dividiu a sociedade civil. Chamar de golpe parlamentar deslegitima o processo. Assistiu-se, contudo, uma alternância de poder de forma paralela às regras eleitorais. Este é o grande desafio do governo: a legitimidade. Se olharmos com otimismo esse momento, a partir de uma visão estrutural, como uma transição, vendo como ajuste necessário e importante do processo democrático, não pode deixar de ver que uma geração que assiste e participa desse momento paga um preço alto por esse ajuste e debate uma definição para o momento que vivemos: estamos num estado de direitos ou estado de exceção. Sem dúvidas, não seria o apocalipse! A luta continua…