Das coisas que eu sei, por Luana Monteiro

De algumas das coisas que eu sei uma que não falha é a máxima sobre a transformação constante dos seres e da vida. 

 

As vezes eu me pego repetindo o mantra – que por vezes traz consolo, mas as vezes só causa aflição –, “tudo passa”. E apesar de doloroso ou remediador ainda assim é verdadeiro: “tudo passa”.

 

Onde eu estou? Cadê meu eu que eu costumava conhecer tão bem? Ele se foi. Foi embora. Não sei se definitivamente ou se saiu a passeio e talvez daqui há alguns anos retorne. O fato é que ele se foi. Como eu tenho certeza? É simples, muitas partes dele já não se encontram mais aqui. 

 

Penso no paradoxo do navio de Teseu, ao longo de uma viagem de cinquenta anos se seu navio tiver todas as peças trocadas, ao chegar em seu destino o navio será o mesmo?

 

Eu sou a mesma? O navio é o mesmo? Ele mudou todas as suas peças iniciais… Pois é, eu me sinto esse navio. Fui trocando peças e pensamentos; aposentei antigos hábitos e lugares; deixei para trás a vida de um mulher ansiosa e que se preocupava unicamente consigo e fazia as coisas no seu tempo e abracei a vida de uma mãe ansiosa, cheia de sonhos e afazeres.


Pensar em todas as novas coisas que ocupam meu dia e minha cabeça é uma proposta engraçada. As vezes meu dia fluiu tranquilo, com zero expectativas e muito riso e parece que eu poderia ser mãe de dez crianças e dar amor e atenção a todas ao mesmo tempo. Mas há dias em que o peso dos cuidados da casa e da maternidade parecem multiplicados por cem. Eu chego a me perguntar quantas vidas eu teria que viver para aprender a lidar com o cansaço e a frustração. E até o momento em que eu escrevo essas linhas eu penso que apesar de ser uma perspectiva bipolar da vida, está tudo bem.


O fato é que a existência material e as atividades do dia-a-dia mudam também a forma de encarar o cotidiano e de pensar sobre ele. No meu caso, minha cabeça virou um manual de como criar um filho, ou melhor vários deles. 

 

Antes de ter um filho eu já tinha um esboço, eu acho que ele tinha aproximadamente alguns parágrafos que iniciavam com: “não mimar a criança”; “não fazer seus gostos”; “deixa a criança chorar, qual o problema? Essa era claramente uma perspectiva problemática sobre como dar suporte a alguém que está aprendendo o que é o mundo e o que são suas próprias emoções. 

 

Hoje meu manuscrito é tão longo e tem inúmeros tipos de começo, meio e fim. Na maioria das vezes eu finalizo com a ideia, “não existe resposta pronta”. Hoje eu vejo que ordens prontas e “não se fala mais nisso” estão longe de conseguir solucionar um problema. Estar com uma criança e ensiná-la sobre as coisas cotidianas é um processo infinito de revisão das suas próprias crenças, aprendizados e verdades interiores. É confrontar os próprios medos, olhar para eles de frente e tentar entender sua existência. Eu comecei a notar que “não” não é suficiente para expressar a minha angústia ao ver meu filho brincando com um copo de vidro. 

 

Eu criei em mim novas necessidades que viraram metas. A cada vez que eu precisar interromper uma brincadeira do meu filho porque ele se encontra em perigo ou pelo simples fato dele querer um objeto inadequado para a idade dele, como uma faca, eu me proponho a explicar para ele o que aquela situação pode gerar de consequências e que a mamãe acha mais adequado ele escolher outro objeto para explorar.

 

Eu me pego também me questionando o porquê de eu poder ou não fazer isso ou aquilo. Eu questiono sobre as inúmeras informações e conclusões que eu tenho sobre a vida, sobre as “verdades’, sobre o amor, sobre os medos, sobre solidão… Talvez algumas máximas ainda funcionem como – “tudo passa”, mas até isso eu também quero questionar.   

Luana Monteiro

Cientista social, mestre em Sociologia (UECE) e pesquisadora.

Mais do autor

Luana Monteiro

Cientista social, mestre em Sociologia (UECE) e pesquisadora.