DAR VIDA À VIDA?

Ao escutar, recentemente, uma pessoa dizer: “preciso dar vida à minha vida”, um turbilhão de reflexões me ocorreu.

Dar vida à própria vida é, ao mesmo tempo, uma afirmação de potência e uma confissão de ausência. Há uma beleza quase poética nessa ideia de insuflar vitalidade em uma existência que, apesar de respirar, ainda não vive. Isso nos confronta com uma das verdades mais inquietantes da condição humana: viver é mais do que existir. Existir é resistir ao tempo; viver é preenchê-lo com sentido.

Mas o que significa, afinal, dar vida à vida? Buscar prazer, realização, amor? Nenhuma dessas respostas isoladas parece suficiente. A vida não vem com sentido predefinido; é um palco vazio, e cabe a nós escrever o roteiro da existência.

Essa liberdade, como dizia Sartre, é nossa maior condenação — e também nossa maior força. Muitos se limitam a ocupar o palco, mas dar vida à vida exige coragem: um ato de criação diante do absurdo, de abraçar a incerteza e transformar o vazio em projeto.

No entanto, não vivemos isolados. O outro frequentemente emerge como parte essencial dessa equação. Há quem diga: “Você dá vida à minha vida”. Essa frase, tão carregada de emoção, reflete nossa essência como sereshumanos: somos seres solitários, com um núcleo interno que ninguém pode acessar completamente. Por isso, buscamos no outro algo que suavize esse peso.

Mas será que isso basta? A solidão é inerente a todos nós, e sua aceitação é parte do processo de viver plenamente. Não importa quantos vínculos tenhamos, sempre haverá um espaço em nós que o outro não pode preencher. Essa solidão, longe de ser apenas uma sombra, é um convite à reflexão e à criação. É nela que nos encontramos, que percebemos que dar vida à nossa própria vida é uma tarefa intransferível.

Ainda assim, o outro não é dispensável. Ele nos transforma, nos ilumina, inspira e desafia. Sua presença pode ser a faísca que desperta o que há de vivo em nosso interior, mas não pode carregar a responsabilidade de preencher nossos vazios. Quando delegamos ao outro a tarefa de dar sentido à nossa existência, criamos dependências que nos afastam da verdadeira liberdade de viver.

Dar vida à vida, portanto, é um equilíbrio delicado entre a solidão e o encontro. A solidão nos dá o espaço para refletir, criar e descobrir sentido dentro de nós mesmos. O outro, por sua vez, nos lembra que viver não é um exercício solitário. Sua presença enriquece nossa jornada, mas a chama deve ser nossa.

Viver plenamente é, assim, aceitar a solidão como parte do processo, mas nunca como derrota. É acolher o outro como companheiro de jornada, sem transferir-lhe o peso de nossas ausências.

Entre a introspecção que a solidão permite e as trocas que os encontros oferecem, encontra-se o equilíbrio que sustenta a nossa existência. É nesse fluxo contínuo, entre o recolhimento e o compartilhar, que podemos transformar a vida em algo que, mesmo imperfeito, seja nosso e infinitamente vivo.

Monica Moreira da Rocha

Economista, servidora pública aposentada, ex-auditora da Receita Federal do Brasil.