O relógio marca seis e meia em ponto. Mais um dia agradável se apresentava no céu. Fones no ouvido. No MP4 ao som de Paul Mc’Cartney cantava paradoxalmente “Baby you can drive my car” enquanto subia no meu ônibus.
Cheiro de banho no ar. Uma manhã clara ganhava espaço e ditava aos indivíduos que novamente era preciso tomar seus postos de trabalho e suas rotinas de estudo. Entrava no ônibus e em um dia de sorte tomava um assento. Olhava para o lado e da janela do ônibus o que eu via era minha liberdade de menina em cada parada solicitada por um novo passageiro e em cada casinha que se fazia cada vez mais longe com seus moradores e histórias. Me sentia assim apesar de estar fazendo o trajeto para a aula.
Não saia muito sozinha, na verdade havia descoberto essa alegria há pouquíssimo tempo. Passava a me descobrir uma geminiana solitária.
Amava os períodos de silêncio narrados somente por The Beatles e The Strokes nos fones de ouvido.
Amava a ideia de observar a vida. Me perdia a imaginar histórias para cada rosto que eu visse. Ah essa capacidade humana de se perder em pensamentos furtivos e imaginativos! Por mais que eu me visse dividindo o pequeno espaço do coletivo com todos aqueles indivíduos, ainda assim me perdia admirando a humanidade e suas múltiplas formas de se relacionarem.
Da janela eu via a mim mesma, correndo frenética para a parada com medo de perder o ônibus; depois era eu que ia distraída para a padaria em trajes que não denotavam elegância ou formalidade. Era eu também caminhando às 06:30h na avenida movimentada. Era eu levando a irmã mais nova para a escola…
No ônibus eu me tornei desbravadora da cidade; da sua janela – porta para o mundo – descobridora de mim.
Os anos se passaram e o prazer de algumas descobertas também. Andar de ônibus não deixou de trazer experiências e de proporcionar situações inusitadas, mas o desconforto do transporte coletivo, a disputa constante pelos espaços e até a insegurança vivenciada não deixam de pesar na balança das ponderações da vida.
No entanto, admirar o trajeto com suas casinhas e pessoas não deixou de ser um hábito. Tentar adivinhar ou criar histórias para todos aqueles indivíduos descobertos no caminho também não. A cidade abriga suas belezas e seus abismos, os lugares de esquecimento, vivenciá-la de perto é um carma, mas também privilégio.