Da Janela do Busão – Daniella Cruz

Formigueiro!
Era assim que eu considerava a cidade enquanto fazia o meu rotineiro percurso de casa pro estágio, do estágio pra faculdade, da faculdade pra casa. Pela manhã essa ideia de formigueiro era mais real. Pela cidade parecemos formiguinhas soltas em um mundo gigante; umas perdidas, outras comprometidas, cumprindo sempre o mesmo ritual, principalmente no início do dia. Os ônibus são os formigueiros de maior concentração.

Eu só acordava de verdade durante o percurso; lotação, na rádio, músicas para todos os gostos, carros, poluição, buzinas e mais buzinas. Meu formigueiro era animado! Céus! Às 6:30 da manhã o barulho de buzinas é irritante!

Também queremos chegar, mas ainda estamos acordando.

Nesse horário todo mundo tem pressa. Inclusive nós do busão. A diferença é que a gente não pode buzinar. Seguimos.
Quem nunca torceu para desocupar um assento do lado da janela?

Esse era um sonho sonhado por mim e por quase todos dentro do ônibus. Ao menor sinal de que alguém iria levantar, mochilas voavam para marcar o assento.

Isso porque é na janela que a gente se escora, é na janela que muitos cochilam, é na janela que a gente se isola, é da janela que a gente observa melhor. É na janela do busão que um mapa mental é enriquecido através do que vemos acontecendo em tempo real dentro da cidade.

Eu sempre gostei da janela. Tenho percursos inteiros de Fortaleza registrados na memória. Sempre fui muito observadora, procuro enxergar o não óbvio e acho que faço isso com louvor. Mas, observar ficou tão repetitivo que virou uma coisa comum, era sempre o mesmo.

Prédios e mais prédios residenciais, casas, hotéis, comércio, praças, igrejas, pessoas vendendo no sinal, outras apenas pedindo uma ajudinha. Pessoas caminhando, mulheres aproveitando o sinal para se maquiar no carro, crianças fardadas no banco de trás. No busão as cenas e os rostos também se repetem. Até o garoto da jujuba repete o mesmo texto pra não ter erro. Sempre a mesma coisa para quem apenas olha e não enxerga.

Morando fora do Brasil senti o real valor da sensação de pertencimento. Tive que sair do meu país para entender como é bom pertencer, conhecer, saber chegar, me virar.

Fortaleza é meu porto seguro apesar de toda insegurança. Outras questões também nos excluem da categoria de cidade perfeita, ainda assim, gosto da minha cidade imperfeita. Como eu senti falta dela!

É incrível descobrir coisas novas, aprender novos caminhos, expandir a mente e o conhecimento. Mas, para mim, melhor ainda é saber o que existe em cada esquina do meu percurso, é poder ensinar endereços para outras pessoas sem deixá-las em dúvida, é ter certeza dos pontos de referência, é saber os horários de funcionamento, a quantidade de quarteirões entre uma rua e outra, é saber o momento certo de dar sinal para descer do ônibus.

Foi longe da minha cidade que aprendi a sentir falta dela e de tudo o que eu aprendi observando da janela do busão que eu considerava formigueiro.

É fantástica a sensação de pertencer a algum lugar desse mundo. Espero que você já tenha descoberto o seu. Se não, desejo que descubra urgentemente que lugar é esse, pois, mais cedo ou mais tarde precisaremos da certeza de ter para onde voltar. Sabe aquele formigueiro que você frequentou por anos e anos?
Talvez seja uma boa opção.

Daniella Cruz

Daniella Cruz é Psicóloga, orientadora de Carreira. Graduada em Gestão Estratégica de Recursos Humanos, Especialista em Gestão de Pessoas e Liderança. Trabalhou na Europa na execução de projeto voltado para a neuropsicologia e acompanhamento de idosos com Alzheimer e outras demências. Tem participação em antologias literárias e é colunista no SegundaOpinião.jor.

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Daniella Cruz

Daniella Cruz é Psicóloga, orientadora de Carreira. Graduada em Gestão Estratégica de Recursos Humanos, Especialista em Gestão de Pessoas e Liderança. Trabalhou na Europa na execução de projeto voltado para a neuropsicologia e acompanhamento de idosos com Alzheimer e outras demências. Tem participação em antologias literárias e é colunista no SegundaOpinião.jor.