A urna eletrônica foi transformada em um totem e diante dele prestamos a adoração no altar da democracia.
Por ser, assim, um instrumento eficiente de materialização de desejos e aspirações cidadãs, a urna funciona como oráculo da democracia e do Estado de direito. Os números que esta nobre criação exala, sela e confirma, traduz a vontade presente, passada e futura dos cidadãos e das cidadãs (quem sabe, dos “cidades”).
A contagem dos propósitos — dos votos digitados — como celebração eleitoral, não esgota, entretanto, o processo de escolha dos governantes, segundo a concepção primária e originária da “representação”.
A apuração, saída do somatório de milhares de votos, traz a marca do longo e exaustivo processo que precede as eleições. Podemos referir este “processo” como a formação de uma certa consciência política que faz das criaturas “eleitores”, aquele que escolhe, designa e nomeia outro cidadão como titular da representação que lhe foi conferida.
Assim, a urna e a apuração do voto que ela traz, guardada no ventre, completam a etapa anterior, a da “formação” do voto como desígnio do indivíduo feito eleitor. Trata-se, como podem aquiescer os especialistas, de ato contínuo, segundo “motu proprio”.
A definição do voto pelo eleitor é parte inseparável da mecânica de apuração (seja ela eletrônica ou manual). Não poderia ser uma extensão automática da urna, sem que lhe fossem adicionados os controles sobre a livre concepção do voto e a sua manifestação em termos eleitorais.
Não se trata de criticar a urna e a sua adoção como instrumento do rito eleitoral — ou de rejeitá-la — por eventuais limitações ou falhas. Trata-se, em verdade, da retirada da sua “sacralidade” como símbolo da democracia e da adequada definição dos seus mecanismos de controle. Cabe, ainda, considerar a ampliação do processo eleitoral com o envolvimento e a designação das competências e obrigações do eleitor, dos partidos, das formas de financiamento para a formação do voto e dos requisitos imputáveis ao candidato.