Crônicas da Santíssima Trindade, segundo o Espírito Santo – tradução e adaptações: Xykolu

I – E o Verbo divino criou a Humanidade

Ele, ou melhor, nós nos divertíamos – a diversão saudável é divina, sim – mantendo em equilíbrio o Universo, a imensidão das imensidões, algo que não tem começo nem fim, que não se amolda, não se ajusta, não se submete à compreensão, ao entendimento, à inteligência de quem não é Deus.

Em algum ponto do imensurável espaço, fazíamos surgir uma massa vastíssima, difusa, disforme, luminosa – chamemo-la de nebulosa; nós, então, a submetíamos a pressões de toda ordem, até provocar sua explosão; com os fragmentos, dávamos vida e esplendor a mais uma galáxia repleta de estrelas de tamanhos variados e de brilho intenso. Estrelas nasciam, luziam, resplandeciam, bruxuleavam e morriam. Tudo sob o alcance de nosso controle. De nada mais cuidávamos, com nada mais nos envolvíamos; o Universo significava tudo para nós. Às vezes, empreendíamos viagens cósmicas para onde pretendêssemos ir; às vezes, trazíamos até nós o que mais nos interessasse.

Ele, o Pai, sorriu generosamente, como ainda costuma fazer quando o anima uma ideia, ou seja, quase sempre. Obviamente, sabíamos – o Filho e Eu – o que lhe viera à mente e causara tão intensa felicidade, mas, como sói acontecer, mantivemo-nos num silêncio da mais pura e agradável atenção. Gostamos de ouvi-lo falar. Postura fascinante e arrebatadora. Melodia suave, inefável. Argumentação clara, lógica e insofismável. Convencimento sólido. Persuasão. Em resumo, expressão divina. Ainda sorrindo – e nós, agora, também –, Ele disse:

Vamos criar um novo arquétipo de Vida, assentado no Amor e diferente de tudo o que já concebemos, do que já existe. Indivíduos que se nos assemelhem, não na aparência física, mas em valores fundamentais que proporcionem a existência saudável, a coexistência fraterna, o compartilhamento de experiências, de vivências e de sentimentos, o usufruto parcimonioso e responsável do que a Natureza – na essência, nós – lhes oferecer.

Bravo! – Assim o Filho reagiu ao projeto do Pai. – A ideia, então, é de que tenhamos projeções nossas em algum lugar do Universo…

Sim. Projeções com limitações. Eu as quero com capacidade para a aquisição de conhecimentos que, acumulados e potencializados, possam lhes proporcionar sabedoria; com inteligência para entender e aplicar conceitos, fórmulas e formas preexistentes, por nós criadas, mas que acreditem que a autoria da descoberta lhes pertença; com competência para agir livre e criteriosamente, sempre pendulando entre a Razão e a Emoção; com disposição e coragem para promover transformações no meio em que vivam e em si próprios, sempre respeitando a Natureza e o próximo. Eu as quero com matéria e espírito em plena simbiose, com sistemas vitais – sinápticos, sensitivos, circulatórios, respiratórios, digestivos, reprodutivos – autônomos, mas interdependentes…

Pai, eu ouvi “reprodutivos”… – Interrompi respeitosamente. – Isso significa que…

Não se trata de um projeto singular, isso para mim está bastante claro. – Interveio o Filho, que complementou: – Não pretendemos criar um ser único, isolado, solitário. Se o fundamento é o Amor, vamos criar um núcleo vivo que, ao longo dos séculos, dos milênios, evolua, cresça, reproduza-se, multiplique-se… Ou seja, não um espécime, um Homem; mas uma espécie, a Humanidade.

Isso. – E o Pai retomou a explanação. – Nós já concebemos espécies que se acasalam e se reproduzem, as quais dotamos de gênero, particularidade que não se manifesta em nós, mas que de nós decorre; e, assim, dividimos os seres vivos em machos e fêmeas, com funções específicas, no sublime ato de procriar, de reproduzir-se.

Este projeto avançado também será ambientado no Jardim do Éden, no paraíso terreal. – Falei despretensiosamente, como se fosse um simples dado adicional, um complemento sem muita expressividade.

Sim. No Jardim do Éden. – E a agradável voz do Pai novamente se fez ouvir. – Ali, ambientaremos o projeto da Humanidade. O núcleo primário se constituirá de três casais, com um ser masculino e um ser feminino, gerados da essência da Terra, o barro, sem cadeia de comando ou hierarquização, mas com um virtuoso círculo de relacionamento entre seus membros e com livre arbítrio individual. Em vez de asas, braços; em vez de patas, pernas e pés; em vez de couro ou penas, pele sensível. Corpos que se ajustem, que se amoldem. Almas que se completem, que se respeitem. Sob a égide do Amor – fraterno, entre os casais; pleno, entre o homem e a mulher. Projeções de nós mesmos.

Movendo o dedo indicador sobre a imensa tela de altíssima resolutividade, fiz o Universo movimentar-se até que a Via Láctea se aproximasse de nós. Com movimentos sincronizados entre o indicador e o polegar, expandi a imagem, até isolar o Sistema Solar; na sequência, a Terra estava em nossas mãos. E o Jardim do Éden encantou-nos mais uma vez. Era o nosso cantinho predileto, em meio à complexidade e a grandiosidade do espaço etéreo.

O Filho recolheu, então, uma boa porção de argila e, sendo um artífice de qualidades inalcançáveis, moldou, com perfeição até nos mínimos detalhes, os três pares do que viriam a ser, segundo os desígnios de Deus, homens e mulheres, um ao lado do outro. Percebia-se, já no primeiro olhar, a total observância às características definidas no projeto. Após a aprovação do Pai, deu-se o sopro divino. E seis seres humanos, belos, adultos, ainda meio estremunhados, vestidos com pele de carneiro curtida, adquiriram vida e logo se tornariam os pioneiros da existência inteligente sobre a face da Terra. Irmãos, porque filhos de Deus, uno e trino, e criados à sua semelhança.

Antes que se promovesse o retorno do Cosmos à normalidade, Deus dispensou um olhar de reconhecimento à perfeição da divinal obra de arte. Ante o olhar incrédulo de suas novas crias, Ele, o Pai, lhes disse:

Reservo para vocês uma sublime missão: a de provar ser possível a prática do Amor, expressão magnânima que ora se restringe tão-somente à trindade divina, ou seja, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, entre seres por nós criados, em vivências e convivências circunstancialmente diversas. – E, apontando para a imensa tela de altíssima resolutividade, prosseguiu: – Apresento-lhes a Terra, um planeta habitável, minúsculo e aparentemente inexpressivo ante a amplidão do Universo, mas belo aos olhos de Deus. Aí, há algum tempo, nós criamos o Jardim do Éden, o paraíso terrestre, com árvores agradáveis à vista e frutos saborosos para comer. Irrigam-no quatro rios: o Píson, o Ghion, o Tígris e o Eufrates. Há campinas verdejantes e cachoeiras deslumbrantes. Há vida nos campos, nas águas, no ar. O Sol e as estrelas iluminam os dias e as noites. Há chuvas, ventos, calor e frio, além de aromáticas flores. Eis o Éden, o jardim que ora lhes confiamos para servir de berço à Humanidade, um projeto divino. Adão e Eva, declaro-os marido e mulher; habitarão a faixa de terra entre o Tígris e o Eufrates. Adônis e Ella, também os declaro marido e mulher; ocuparão a faixa entre o Píson e o Tígris. Adonias e Emma, declaro-os, também, marido e mulher; fixarão moradia entre o Eufrates e o Ghion. Dou-lhes a minha bênção. Fortaleçam-se. Cresçam. Multipliquem-se.

O Filho, então, observou:

Adão, Adônis e Adonias, os homens. A rigor, cumpre-lhes o provimento, a segurança e a harmonia do grupo sob sua liderança. Eva, Ella e Emma, as mulheres. A rigor, compete-lhes a disciplina, a educação e a observância aos preceitos divinos dos que vierem constituir a sua descendência. Lembrem-se sempre: são filhos de Deus; o sopro divino deu-lhes vida. São, portanto, iguais perante o seu Criador. Amem-se e respeitem-se. Dou-lhes, também, a minha bênção.

Eu pedi que as mulheres dessem um passo à frente e a elas me dirigi com exclusividade:

Eva, Ella e Emma – ó mulheres! –, nós lhes confiamos o sublime processo da geração de vidas, algo muito próximo do poder de criação que restritivamente nos pertence. Os seus ventres servirão à gestação; os seus seios, à alimentação; os seus corações, à formação de outros homens e mulheres. Nenhum ser humano, a partir de agora, habitará a Terra sem que tenha sido gerado em suas entranhas. Com prazer, conceberão; com dor, darão à Luz os seus filhos; com amor e dedicação, cuidarão que eles cresçam… e eles povoarão a Terra. Conscientizem-se, pois, da grave, nobre e transcendente missão. Honrem-na. Dignifiquem-na. E o espírito divino sempre as acompanhará. Eu os abençoo, a todos!

A imensa tela se rompeu. E os casais assumiram as suas regiões específicas no Éden. E o Universo reassumiu a sua normalidade.

II – Um divino ato de reconhecimento

Choros de crianças se propagaram em ondas cósmicas. Ele, o Pai, sorriu de contentamento e felicidade. O Filho e Eu também. Nasceram os primeiros filho e filhas de Adão e Eva, de Adônis e Ella e de Adonias e Emma. O Universo brilhou mais intensamente. De tudo emanava o mais puro regozijo.

Consultei, quase instintivamente, o calendário terreno. Era o segundo dia de descanso semanal, do quinto mês do ano.

Por um ato de reconhecimento, Deus – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – instituiu, então, a data de celebração universal à maternidade e à Vida humana e de consagração à mulher-Mãe. Estava criado, assim, o Dia das Mães.

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.

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Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.