Crise brasileira: durma-se com um “barulho” desse!

O impeachment da Dilma é apontado, por parte da oposição, como a solução para a crise vivida pelo Brasil. A segunda semana de agosto será decisiva para avaliação dessa movimentação e passa por interesses de grupos dentro dos partidos políticos, cada qual pensando nos seus interesses. Como é da política moderna! A crise perceptível é cada vez mais política, agravando cada vez mais a crise econômica. Vários fatores estão em foco e nesta reflexão destacarei a questão da representação no papel dos partidos políticos e da crise do federalismo brasileiro.

Na última eleição presidencial, a base aliada rompeu sua unidade com as candidaturas de Eduardo Gomes e de Marina da Silva, para Presidente e vice, respectivamente, pelo PSB, e de Aécio Neves, pelo PSDB, que foram políticos que sempre estiveram próximos aos governos do PT. Esse rompimento foi potencializado pela emotividade da campanha presidencial que, ao se consolidar, revelou a fragilidade da base aliada agravando uma crise no modelo político brasileiro, o Presidencialismo de coalizão como adotado no Brasil. A fragmentação de partidos políticos, sem respaldo na sociedade civil, exauriu o potencial de governabilidade do modelo. O parlamentarismo também não se apresenta como opção para o momento, pois também necessita de partidos políticos fortes.

A governabilidade, numa democracia, se baseia na força da representação política. O poder executivo necessita consultar o soberano, o povo, que está representado, ou deveria está, no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas. Os partidos políticos necessitam fidelizar seus eleitores não apenas pelo clientelismo, mas por coerência a uma linha de atuação política a fim de que o executivo possa negociar projetos e políticas públicas, e não apenas cargos. A reforma política, que o Congresso mostrou-se interessado em fazer, necessitava apenas dessa orientação: fortalecer partidos representativos. Com isso, o “custo Brasil”, pavor do empresariado nacional, diminuiria e a competitividade da indústria nacional, o setor que mais se diz sofrer com o ajuste fiscal e a crise na economia, se restabeleceria. Basta lembrar que a reunião que a Presidente realizou com seu ministério neste final de semana para tentar diminuir 10 deles, não conseguiu o intento. É uma utopia realizar essa mágica, e os partidos aliados conhecem muito bem o preço da fidelidade. Com esse modelo de coalizão e no auge de uma crise da base aliada, quem ousaria “soltar o osso”, como diria Cid Gomes. O resultado de essa reunião confirmar que a reforma política foi só na maquiagem.

A crise brasileira, portanto, não é propriamente de partidos A ou B que chegam ao governo, mas da natureza da governabilidade do presidencialismo de coalizão. Haja criatividade e “competência” para formar uma base aliada! E esse é o aspecto didático desta crise para a percepção do povo, a fonte do poder político numa democracia representativa.

A reforma na política, contudo, é sempre cultural e não chega com um piscar de olhos. É mais lenta que nossos desejos e planos possam alcançar. Os poderes da República já começam a responder às reformas anteriores. O aperfeiçoamento do judiciário, colocando-o sob controle da soberania popular, como tem acontecido lentamente, mas de forma inexorável, reforçam a ética liberal democrática e se alia a um sentimento republicano de que todos são iguais perante a lei. O poder executivo tem o peso da responsabilidade fiscal. No poder legislativo falta apenas reforçar a ligação dos partidos com a sociedade, que já começa a acontecer. PSDB e PT são os partidos que começaram numa linha de frente. A última pesquisa sobre a aprovação de Dilma Rousself, realizada pelo Instituto Data folha, foi vista pela ótica da baixa popularidade, pois apenas 8% de aprovação, contando o ótimo e o bom. Mas se considerássemos o regular como aprovação, pois não é reprovação, esse percentual perfaz os 30%. Este era o percentual que Lula sempre alcançou nas eleições presidenciais antes de ser eleito presidente. Indica o percentual de fidelização do eleitorado ao partido. O caminho da aproximação efetiva da sociedade com a política, via partidos passa mais por políticas públicas de educação, já iniciada, que numa reforma políticam onde são os interesses de sobrevivência quem orientam a caminhada.

A crise de representação chega ao nosso modelo de federalismo e pode ser sentido também no resultado eleitoral e a postura do PSDB. A indústria brasileira, o setor mais atingido pela crise econômica, influiu para fidelizar o PSDB em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. O Nordeste, o segundo colégio eleitoral, foi fidelizado pela política neo-desenvolvimentista do PT, no primeiro governo Dilma, que fidelizou aquele partido na Região, além dos partidos da base aliada. Foi uma eleição muito apertada e radicalizada e com adrenalina para estimular uma corrida para um terceiro turno, algo não incorporado à Constituição.

O PMDB, o partido fortalecido pelo voto dos Estados nordestinos e do sudeste, nos Estados com forte migração daquela região, como Rio de Janeiro e mesmo São Paulo, mostra o sentimento de federação da sociedade brasileira. Dividido e com a ambição de poder substituir a Dilma, caso renuncie. O PSDB de Minas busca uma saída para nova eleição, aproveitando a exposição de Aécio na última campanha presidencial. O PSDB paulista, potenciais candidatos como Serra e Alkmin, não concordam. Durma-se com um barulho desse! E a indústria paulista e carioca buscam uma união para que o ajuste fiscal não demore.

Nossa crise, portanto, é de representação em processo de ajuste para que a ética se restabeleça na perspectiva de um Estado laico (liberal democrática). Ufa!

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.