Confissões de um vencedor, por Capablanca

No começo era tudo tão simples: eu só queria garantir reeleição sem problemas para mim e os meus. Funcionou muitas vezes e nem bem fazíamos campanha. Os gastos eram mínimos, e até podia sobrar uma graninha, nada demais. E a família ia em frente, pode-se dizer, até prosperando. Bastava eu alimentar aquela ideia de um certo tipo de ‘mito’, um discurso aqui, um twitter ali, uma confusãozinha acolá. E a vida seguia mansa depois de cada eleição.

De repente, eu me vi numa onda maior do que eu. Levei um caldo daqueles. Me deram a ideia de que eu podia surfar nessa onda e, pasmem, chegar ao trono com a ajuda de três forças muito maiores que eu: a fé, a força e o método (ninguém falou em dinheiro, fique bem claro), e essa turma trabalha organizado. Eu me deixei levar, pensando, sinceramente, que não tinha chance de dar certo. E aí tudo se complicou, porque as expectativas dos três grupos começou a me pressionar por fazer isso, dizer aquilo, agir assim, fazer assado. Foi quando me deu a primeira sensação de pânico, eu não me via em mim mesmo, uma coisa estranha.

Eu não segui a orientação deles. Pelo contrário, baixei o ritmo, diminuí a minha exposição, recolhi a campanha, restringi a comunicação a um ou outro post, como se inconscientemente eu me sabotasse. Desconfio que enquanto eu me recolhi, todo mundo se assanhou, efeito contrário ao que eu desejava, todo mundo animado e eu temeroso. Teve uma hora que eu quase me acalmei. Foi quando disseram que eu não teria chance com ninguém num segundo round. Ufa!, pensei.

Com a questão do atentado, eu pensei: saio de fininho, de vítima, volto ao que eu de fato sempre fui. Que nada! Virei herói e por mais que eu me recolhesse, por mais que eu falasse ou não falasse, fizesse ou não fizesse, as três forças agiam com energia crescente, os resultados acima da mais otimista expectativa. Virei um líder popular, Deus sabe como, um trabalho gigantesco de disciplina casado com inovação!

E eu cada vez mais desconfortável, embora eu não seja cego nem tolo para não ver e me encantar um pouco com tudo o que de bom pode vir de uma vitória tão aparentemente inexplicável. Ponha-se no meu lugar: o que você faria?

Nunca menti, só falei a verdade, disse o que sempre pensei sobre os mais delicados assuntos. E nunca recuei nos temas mais sensíveis. Meu passado todo dizia quem eu realmente era e sou, e continuo sendo. Eu não enganei ninguém. Deus é minha testemunha e só ele pode me mudar. Enganou-se quem quis deixar-se enganar.

Não visto e não vestirei a roupa de outro homem. Confessei abertamente que não era o mais preparado. Eu sou uma verdade eleitoral brasileira, ponto.

Agora, calcem as minhas botas e digam honestamente se um homem e um pai podem dormir com um barulho como esse que fazem a meu redor. Alguém de são consciência pode conviver com tamanho ataque a sua família, a seus amigos e a você? Alguém pode seguir em frente nessas circunstâncias? Sou humano e só posso ir até onde meu Deus me preparou para ir. Não posso conviver em paz com o que se coloca para mim e para os meus. Quando olho para a frente, sou capaz de imaginar desdobramentos terríveis, e eles apagam ou embaraçam todas as boas ideias que tenho para governar minha pátria.

Ainda agora só tenho em mente o slogan da minha campanha: meu país acima de tudo, meu senhor acima de todos. Como eram bons os velhos tempos de campanha!

Quero de volta a paz, só isso, para mim e para os meus.

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