Como se “inventa” uma ditadura

(O passo a passo de uma passagem dolorosa]

A serem verdadeiros os dados que conferem 51% de aceitação ao presidente Lula, hoje divulgados, temos, sim, de fato, razão de sobra para nos preocuparmos.

Não que se deva negar ou duvidar da retidão e honestidade da pesquisa, o que deverá ser avaliado por segurança e em respeito às repercussões que uma informação como esta pode trazer para as hesitações do eleitor despreparado.

Preocuparia e a todos inquietaria caso esses dados fossem reais. Seria uma indicação desoladora sobre o discernimento do eleitor brasileiro e a sua rala capacidade de bem considerar e avaliar a grave situação política pela qual o Brasil atravessa. Mais, indicaria a credulidade do povo e a manipulação de notícias e do poder da mídia como fator preponderante da formação da opinião.

A quem não falte perspicácia e recursos para uma avaliação crítica da complicação em que nos enfiamos ou fomos enfiados, hão de ser lembradas as circunstâncias e a conjuntura que favoreceram o advento de ditaduras e da coorte de bondades praticadas pelos provisionadores da Pátria.

Em todos os cenários, esquecidos pelos novos democratas progressistas, estiveram presentes os mesmos procedimentos autoritários, as benesses para a pacificação dos descontentes, o controle monetário e ideológico da mídia, a cooptação das forças armadas, a cumplicidade dos intelectuais e da Igreja, e uma política social de concessões provisórias sem consequências outras que não fosse a de assegurar a adesão do povo.

As elites, assim chamadas as camadas da sociedade que controlaram sempre a política oligárquica do Brasil, anteciparam-se em proveito dos seus negócios e interesses — e grudaram na nova classe do poder.

Uma ditadura amadurece na medida em que os favores que pode compartilhar chegam aos desvalidos da sorte e ao povo em geral como anúncio de um futuro compensador…

O trágico desta “comedia dell’arte” está na versatilidade dos “namorados” das ditaduras. Estes democratas reconvertidos são os primeiros a aderir à nova ordem e os últimos a abrir mão das suas vantagens.

Abandonam o barco náufrago como os ratos deixam os porões dos navios em risco de perecimento.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.