Como se faz uma “tempestade perfeita” para se obter uma tempestade real — serviço público de qualidade XXVIII

O termo “tempestade” foi usado pela primeira vez de forma espetacular quando os EUA fizeram uma guerra para os americanos (e boa parte do mundo) assistirem pela televisão, ao vivo. Um pesado bombardeio noturno contra os iraquianos, mas sem imagens humanas, sem luz, sem uma gota de sangue, sem nada, quer dizer, sem imagens. Só um evento programado para tornar tudo aquilo palatável e, imediatamente depois, desmobilizar as pessoas para o debate do assunto (depois de horas vendo luzinhas brancas numa noite escura e comentários vazios, tudo ficou chato).

Aqui no Brasil, o termo “tempestade perfeita” ganhou visibilidade e força na segunda metade do ano de 2013. Naquela ocasião, havia otimismo. O otimismo era tanto que até as manifestações de rua foram recebidas como sinal de mudança positiva, pelo menos até se tornarem violentas. O país seria sede da Copa do Mundo e, depois, das Olimpíadas, coroando uma grande melhora na sua imagem até em nível internacional (já positiva, entre outras coisas, pelo resultado do combate à miséria). Tinha crescimento, tinha inflação e desemprego baixos e bom superávit fiscal primário. Mas o bem informado analista avisou: vem aí uma “tempestade perfeita”.

Guardem estes outros fatos associados a outra data: o ano de 2014 teve inflação no limite da meta, desemprego em nível baixíssimo, não aconteceu recessão e ninguém reclamou do superávit fiscal primário. Não havia uma crise concreta, real, em números. Mas já havia uma imensa onda de pessimismo. Um noticiário e comentaristas que deixavam ouvintes e telespectadores como se estivessem às vésperas do fim, com uma sensação de urgência e emergência.

Agora chegamos ao final de 2015: inflação no dobro da meta, desemprego perto de oito por cento, déficit ao invés de superávit fiscal primário e, para completar, forte recessão.

O que é uma tempestade perfeita? É uma tempestade feita em laboratório, pode ser controlada, calibrada, direcionada em seus danos e em suas consequências, escolhe as vítimas, fere com precisão cirúrgica, uma obra genial do mundo da mais moderna tecnologia de comunicação, de fácil uso em países de cidadãos pouco educados.

Em 2013 não tínhamos nenhuma crise econômica. Em 2014 também não tínhamos nenhuma crise efetivada em números e fatos concretos. Entretanto, desde o segundo semestre de 2013, respeitáveis e experientes jornalistas como Jânio de Freitas e Luis Nassif já chamavam a atenção para um “jornalismo catastrofista”, ou para um “terrorismo econômico”. Delfim Netto explicava didaticamente a “tempestade perfeita”. Juntaram-se à imprensa,  frações importantes da Polícia e da Justiça. O fato é que a maioria dos analistas acreditava que essa onda de opinião profundamente negativa era apenas (sic) a preparação para as eleições presidenciais de 2014. Não era. Ou melhor, não era só isso.

Chegam as eleições de 2014, o jornalismo catastrofista e o terrorismo econômico se mantiveram e se aprofundaram. A sensação de crise se estabelece. Aí, para alguns de forma surpreendente,  o partido governista ganha as eleições, e todo mundo esperava que as coisas se acalmassem, melhorassem, que o jornalismo de fim de mundo arrefecesse. Nada disso. À imprensa, à polícia e à justiça juntou-se parcela do parlamento, chefiada pelo presidente de uma das casas do Congresso.

Enquanto se passaram estes dois anos e meio, os empresários se retraíram, pararam de investir, pararam de contratar, desinvestiram, recuaram, demitiram. Claro, num clima como esse, numa tempestade como essa, quem faria diferente? O Governo perdeu arrecadação de forma brutal este ano.

Pronto, chegamos ao final de 2015. A tempestade perfeita cumpriu seu papel. Agora temos uma tempestade real. Inflação, desemprego, recessão e déficit, tudo junto e com força para piorar.

Evidentemente, não se faz uma tempestade real dessa dimensão sem a contribuição da incompetência e da incoerência dos governos. Mas, admitindo-se que, de alguma forma, houve uma articulação inteligente para promover a tal tempestade perfeita, cabe perguntar: que lição se pode tirar disso? Não será também a “tempestade perfeita” um exemplo de como um sistema de comunicação excessivamente concentrado pode levar (ou contribuir decisivamente para levar) um país à beira do abismo? Não será hora de iniciar um debate sobre a regulação desse importante serviço de interesse público, a indústria da informação? Mais uma perguntinha ou outra: o leitor é capaz de imaginar o custo de uma tempestade dessas para o país? O leitor é capaz de imaginar que instituição seria capaz de articular algo tão, digamos, “inteligente” e medonho?

 

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.