Praça do Ferreira, para muitos o “coração” de Fortaleza. Por sorte encontro assento em um dos concorridos bancos de madeira que ficam em frente ao imponente prédio do São Luiz, último cinema de rua da cidade. O movimento das pessoas indo e vindo sobre o piso de pedra portuguesa da praça é grande, assim como o barulho e a diversidade dos tipos humanos.
_ Vai o munguzá quentinho, freguesia? Tem com canela e Leite Moça!
A frase vem de um senhor que surge conduzindo um carrinho de mão pintado de azul escuro e em cujo bojo se encontra fixado um panelão de aço inox fumegante. Com um surpreendente chapéu de abas grandes, terno e óculos escuros, sua figura me faz lembrar imediatamente de Waldick Soriano, antigo astro da música popular.
Um casal faz sinal para o homem, que para de imediato. Após uma conversa rápida, dois copos do tal munguzá são servidos com todo o cuidado e zelo ao casal, que aparenta satisfação com a guloseima. Uma moça sentada à minha direita também faz sinal para o homem que, faceiro, se aproxima cantarolando baixinho. Curioso, atiço os ouvidos: “… seria muito bom, seria muito legal, se cantor ou compositor, pudesse ser ator, ou jogador de futebol…”. Reconheço a música, um samba antigo de Benito de Paula, que por sua vez não tem nada a ver com Waldick Soriano, a não ser a fama de brega.
_ Com canela ou Leite Moça, moça?
_ Como assim?
_ Com canela ou Leite Moça?
_ Não tô entendendo, meu senhor… Eu quero um copinho desses aí de munguzá…
_ Eu sei, mas a moça quer com canela ou com Leite Moça por cima?
_ E qual que é a diferença?
_ É que com canela é um real e com Leite Moça é dois real…
_ E é? E se eu quiser com os dois, saí por quanto?
_ Sai por três real, mas como a moça é freguesa nova e bonita, eu deixo por dois…
_ Mas óia… Véi gaiato! – diz a moça, abrindo um sorriso generoso – Pois me dê logo esse negócio antes que fique frio, homem, avia…
_ Deixe comigo…
Empolgado, o homem exagera na porção de munguzá, fazendo com que o caldo amarelo transborde pelas laterais do copo de plástico branco.
_ Vixe maria, assim num quero não… Tá melando é tudo…
_ Pode deixar que eu tenho guardanapo aqui… Vou só colocar os “tempero” por cima… Só um instante… Tome, prontinho.
_ Até que ficou bonito, viu? Agora só falta meu troco.
_ E você já pagou?
_ Vixe! Foi a primeira coisa que eu fiz, homem. Dei cinco reais.
_ E foi? Num lembro não…
_ O senhor tá querendo dizer que eu tô mentindo, é?
_ Não, de jeito nenhum. Tô só dizendo que num lembro… Mas se a moça tá dizendo que deu, então eu acredito. Tome aqui seu troco…
A moça recolhe o troco e o põe em sua bolsa, no que é observada pelo homem.
_ Se a moça me permite um instante, quero só dizer uma coisa, mas com todo o respeito, certo? Veja só: a moça pode até tá me vendo assim desse jeito, negociando munguzá na praça, um trabalho humilde e coisa e tal, mas fique a moça sabendo que faço isso só por diversão, não é por necessidade não, viu? Porque na verdade eu tô é muito bem situado na vida e podia até ficar o dia todo na minha casa, casa boa, com televisão, ar-condicionado, mas prefiro vir pra cá fazer movimento, negociar, limpar a vista… Sabe como é, né? Num venho pra ficar sentado como esse monte de velho aí, que mal consegue vestir as calças… Eu não, eu tô é de cima, aprumadim e tinindo, dá pra entender?…
_ Homem, você deixe de ser enxerido e vá logo vender seu munguzá em outra freguesia porque essa daqui já deu o que tinha que dar, viu? Passar bem!…
Desconsertado com a reação abrupta da moça, mas sem perder a pose, o homem, após realinhar o chapéu e os óculos escuros, sai empurrando seu carrinho de mão compassadamente, sem pressa, sobre o piso de pedra portuguesa da velha Praça do Ferreira.
“Vai o munguzá quentinho, freguesia? Tem com canela e Leite Moça!”, torna a anunciar.
Quem sabe na próxima.