COLCHA DE RETALHOS – Fechamento de um ciclo (Parte II)

RETALHO Nº 13 (23 de junho de 2018)

Amigas e amigos,

No campo de piso avermelhado, terraplanado com o corte lateral do sopé de uma serrota, ao Putiú de Newman; Verçosa, Wilson, Menezes e Luciano; Juarez, Bibi e Edmarzinho; Ribamar, Hélio Corró e Bill, cabia cumprir o contrato informal (instrumento usual nas relações entre times de futebol do interior) que previa o enfrentamento da seleção de Aratuba, na aprazível serra de Baturité.

Domingo, logo após o meio-dia, causou-nos apreensão a desistência do dono do ônibus fretado, também informalmente, para a viagem – ida e volta – àquela cidade serrana de clima agradável.

O Wilson propôs uma alternativa que, de imediato, restringia o número de viajantes: negociar com o Ivan Maciel, cunhado dele, a cessão da caminhonete de sua propriedade, mediante o pagamento do óleo consumido; ele, o proponente, assumiria o volante do veículo então cedido.

Negócio fechado. E lá fomos nós. Dirigentes e treinador se acomodaram na parte mais segura e confortável; nós outros nos “esprememos” na carroceria.

Jogamos. Merecíamos ter vencido por 1 a 0, placar construído nos primeiros minutos do jogo. O árbitro, um jovem aratubano de pele branca e cabelos da cor de fogo, surdo-mudo, assumiu o papel, nem sempre respeitável, de defensor da terra amada. Coroou sua atuação extremamente parcial com a marcação de um pênalti contra nós, já nos acréscimos.

E haja repetições de cobrança da penalidade – por motivos os mais variados –, sem que o camisa 10 deles lograsse êxito. Então o “padim” Ribamar, o “dono” do time putiuense, orientou o goleiro Newman a não mais defender, a deixar a bola passar, justificando: Senão, a gente não sai daqui nunca…

Quando já se iniciava a viagem de volta, na confluência da rua de calçamento – de acentuado declive, na lateral da praça frontal à igreja matriz – com a via de acesso à rodovia que interliga a cidade às outras do Maciço, incluindo, obviamente, a metropolitana Baturité, o imprevisto aconteceu: a quebra da ponta esquerda – lado do motorista – do eixo dianteiro da caminhonete, causando-nos um susto bem menor do que poderia ter sido, caso o acidente ocorresse na descida da serra.

Viagem interrompida. O vigário – um santo homem – acolheu-nos na Casa Paroquial, oferecendo-nos graciosamente o banho, a troca de roupa, além do gostoso cafezinho com bolacha da terra, enquanto o “padim” Ribamar, assessorado pelo treinador Ornilo e pelo zagueiro-motorista Wilson, negociava o nosso retorno sobre a carga bem disposta na carroceria de um caminhão, com saída prevista para pós-meia-noite. O que acabou acontecendo. Nunca sentimos tanto frio na vida. Na chegada à pracinha do bairro, a dura sensação de congelamento muscular, uma ardência que parecia vir dos ossos.

Nessa aventura, o Bibi (o Edmir do Zé do Carmo), o versátil contador de “causos” e piadas, relatou a triste sina de um peladeiro que reagira ao rompimento do namoro, com uma carraspana de dar dó e gritos de Eu quero é ela!, no centro do campo de futebol e no negror de uma noite fria.

A lembrança desse fato serviu-me de mote para o texto que o Segunda Opinião publica na sua edição de hoje – Retalhos de vidas: futebol, alma de um povo –, cuja leitura ora recomendo.

Acessem, amigas e amigos, o sítio do jornal eletrônico (www.segundaopiniao.jor.br) e saboreiem o melhor cardápio de leitura que uma publicação virtual pode lhes oferecer.

E que tenhamos um excelente final/início de semana.

Um abraço fraterno a todos.

 

RETALHO Nº 14 (7 de julho de 2018)

Amigas e amigos,

Até o céu chorou… eu não consegui.

2018. Julho, 6, sexta-feira.

Seis da manhã. Marco inaugural de mais um dia de atividades no meu cotidiano, no qual desempenho variados papéis. Levanto-me, abro a janela do meu quarto. Estranheza. O céu não sorri pra mim. Esconde-se sob amplo manto cinza-claro. Uma lufada de vento frio submete o corpo a arrepios, enquanto o espírito me alerta para maus presságios. Tardiamente protejo parte do rosto com as mãos. A rinite alérgica desperta para perturbar-me. No correr das horas, tudo se ajusta à mesmice do dia-a-dia, embora o céu permaneça sombrio, melancólico, inânime.

Cinco da tarde. A seleção de Tite me faz resgatar da memória a seleção de Telê. Ambas favoritas. Fracasso de Kazan. Fracasso de Sarriá. A defesa de mão trocada do belga Courtois desviando o chute de Neymar, última tentativa de sobrevida da canarinho no mundial da Rússia (2018), traz-me à lembrança a do italiano Dino Zoffi, abraçando, no pé do poste à sua esquerda, a bola cabeceada pelo zagueiro Oscar, última chance de classificação da canarinho em Sarriá, no mundial da Espanha (1982). Frustração. O Hexa mais uma vez adiado, agora para 2022 no Qatar. Lá, terei atingido a septuagenária idade. E que a hipertensão, o colesterol e o diabetes não frustrem tal perspectiva.

Oito da noite em diante. Neblina. Chuva fina. Vento calmo de inverno. Chuva fina. Neblina. Quase meia-noite, adormeço nos braços de Baco, embalado pela melodia gostosa de pingos de chuva caindo no telhado e escoando pelas biqueiras. O som agradável entra pela janela aberta do meu quarto. E o meu céu chora por mim. O sonho chegara ao fim.

Agora, uma outra competição nos aguarda. Há maior significação. Bem maior é a responsabilidade de cada um de nós. Não se trata de arrancada fulminante, passe preciso, drible perfeito, chute certeiro, cabeçada portentosa, defesa, ataque, gol. É o futuro de um povo sofrido que reclama mudanças, profundas e imediatas. É uma pátria que descalça as chuteiras e se prepara para intervir no processo de construção do porvir. E que Deus nos proteja nessa caminhada rumo ao futuro que queremos.

E é nesse porto de passagem – do sonho ludopédico amargamente desfeito para a realidade do protagonismo histórico através do agir responsável e da consciência cidadã – que as(os) convido, amigas e amigos, ao passeio sabatino pelo sítio do jornal eletrônico Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor.br) que hoje publica o texto O brado retumbante de um povo heroico – Parte I, de minha autoria. Nessa viagem deleitosa, sugiro que saboreiem outras opções textuais, cosidas por mãos de quem entende do riscado, e que usufruam dos prazeres de uma boa leitura, o alimento da alma.

Desejo-lhes um excelente final/início de semana.

Um abraço fraterno a todos.

 

RETALHO Nº 15 (11 de agosto de 2018)

APENAS DUAS LIÇÕES DE VIDA. ENTRE MUITAS

Eu andava sentindo “cada vez mais longe a felicidade” e ele, o meu saudoso pai, alertou-me: Cuidado com sonhos impossíveis! A frustração é inversamente proporcional à expectativa. E como sofri, na prática do cotidiano, até entender plenamente a lógica dessa sentença! Se ainda sonho? Sonho, sim! Embora zelosamente cuide para que – os sonhos meus – não desbordem da minha capacidade de torná-los realidade, a qual naturalmente vai se apequenando, vai se definhando, à medida que as águas do meu rio pessoal fluem, tranquilas ou febris, sobre leito arenoso ou pedregoso. e se aproximam, cada vez mais, do abraço oceânico. Às vezes, até consigo. Quando não, esforço-me para deixá-los no âmbito do onírico. Nada mais que isso.

Depois, ele me fez aprender que “ter uma casinha branca de varanda” talvez não me fosse suficiente para “ver o sol nascer”, apesar do quintal e da janela. Há que se perseguir outros horizontes, há que se caminhar por outras estradas, há que se firmar parcerias, há que saborear compartilhamentos. E isso tem um custo. E isso pode render ganhos. E isso tem seus riscos. Então, ficou mais fácil compreender que os meus mistérios, os meus sofreres e as minhas ilusões, assim como os meus prazeres, as minhas alegrias e as minhas felicidades não são exclusividades minhas. Não sou uma ilha. Não há desertos em mim. Nem oásis.

Sou fonte.

Sou porto.

Sou monte.

Sou horto.

Se hoje sou avô, é porque me confiado foi ser pai. E, se sou pai, é porque me dado foi ser filho.

Com ele aprendi muito. A ele devo tanto. E, como o admiro ainda, nele me espelho. O meu pai.

Amigas e amigos,

O texto que aqui postei em agosto de 2016 [Agosto, 12. Domingo. Dia dos pais], o Segunda Opinião, jornal eletrônico (www.segundaopiniao.jor.br), publica na sua edição de hoje.

Aos pais, envio um abraço bem especial.

A todos, desejo um feliz final/início de semana.

 

RETALHO Nº 16 (20 de setembro de 2018)

TRÊS DEDOS DE PROSA

PROSA UM (Em versos)

EIS A QUESTÃO…

 

Amigas e amigos, há um lado em mim – há sim! -,

para onde credulamente o coração mais pende

e ininterruptamente gotas de romantismo instila,

que me incita, nest’hora tão crucial: – Não vote!

Um outro lado em mim também há, enfim,

por onde sensivelmente a razão mais se estende

e apropriadamente gotas de realismo destila,

que me adverte, nest’hora bem mais crucial: – Vote!

Assim, entre uma razão realista e um coração romântico,

o meu eu político, tão exigente, criterioso e rigoroso,

acompanha o escorrer da manipueira, pano a pano;

segrega, para a colheita, o trigo bom do joio maléfico;

acautela-se, pois seu voto rebenta de parto doloroso…

forjado em atos bem mais divinais do que humanos.

PROSA DOIS

Amigas e amigos, todas as vezes que ouço um candidato à reeleição declarar haver destinado ao estado do Ceará cem milhões, duzentos milhões, um bilhão de reais de sua verba pessoal, eu me lembro do “Quinzinho”.

Se você não é da minha época – bem mais moça ou moço será –, certamente a quem ora me refiro não saberá. Só os da minha era terão, no mínimo, uma vaga lembrança.

Pois bem. Não se trata de nome de gente. Embora gente boa envolvesse.

“Quinzinho” era um recurso geralmente praticado por quem intermediava operações de crédito, então mais conhecidas como empréstimo ou tomada de dinheiro a juros (não tão escorchantes quanto os atuais, o que favorecia a negociata).

Consistia em o tomador do empréstimo, necessariamente correntista, separar quinze por cento do valor líquido da operação para repassar, por debaixo dos panos ou da mesa – ou seja, às ocultas – para o intermediador (por exemplo, gerente de agência bancária ou outro funcionário que detivesse alçada de competência para tanto). Havia compartilhamentos, com certeza.

O “quinzinho” fez crescer patrimônios de muita gente…

Você, cidadão e eleitor, já imaginou quanto rende para um deputado federal ou senador – santas criaturas! – o “quinzinho” aplicado nas “louváveis” destinações de verbas pessoais para os “currais” eleitorais deles? Certamente, uma baba…

Acho até que ouço o lídimo representante do povo dizer: “Não posso é perder essa boquinha…”

PROSA TRÊS

Amigas e amigos, a edição de hoje do Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor.br) publica o texto Mesa de bar – Declaração de não-voto, que leva a minha assinatura.

Estimulado por proposta da editoria do referido jornal eletrônico – que, a bem da verdade, propunha aos seus colaboradores a produção textual do que viria a ser a respectiva declaração de voto – e vencida a inicial resistência – afinal o meu processo de escolha para cargos majoritários privilegia a exclusão in extremis de postulações, ou seja, acabo escolhendo, a meu exclusivo critério, a “menos ruim” –, deixei-me levar pela correnteza desse rio caudaloso e de muitos riscos. Não me afoguei, espero que sem desespero.

Sugiro a leitura.

Um abraço fraterno a todos.

 

RETALHO Nº 17 (23 de outubro de 2018)

Amigas e amigos,

Não é rara a inscrição de citações bíblicas em vidros traseiros de carros de passeio. Uma que deve “bombar” – ou “mitar”, para usar um termo bem mais atual, em tempos de “mito” – é a de João (capítulo 8; versículo 32): “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!”.

Nos meus tempos de interior, chamavam a atenção as frases de para-choques de caminhão. Cito uma que, ao meu exclusivo sentir, é clássica: “A mata é virgem porque o vento é fresco”.

Pois bem. Na manhã deste último domingo, um Range Rover branco me ultrapassou na estrada velha do Icaraí. No vidro traseiro, uma frase aguçou a minha curiosidade. Ei-la: “Propriedade exclusiva do quarto homem da fornalha”.

Aticei as minhas caraminholas. Fustiguei as minhas sinapses. Pus em ebulição as minhas descargas neuronais.

A primeira sensação reconhecia, na parte não exteriorizada da frase, uma fundamentação bíblica. Meditei, por estímulos: essa assertiva tem a ver com algum livro do Velho Testamento. E todo o esforço valeu a pena. E os meus tempos de salesiano acenderam as chamas que iluminaram o meu caminhar pelos textos bíblicos.

Lembrei-me, então, de Nabucodonosor, um poderoso rei da Babilônia – o mesmo dos jardins suspensos. Em algum momento de sua real trajetória, mandou erigir uma imagem de ouro, cuja adoração tornou obrigatória a todos os seus súditos.

Ocorre que três hebreus – não me recordo de seus nomes – transgrediram tal ordem e, como castigo, foram lançados em fornalha ardente. Aos olhos incrédulos do rei, uma cena espantosa: quatro homens andavam incólumes por entre as chamas.

E quem seria o quarto homem, protetor dos outros três? Um anjo? Um profeta? O filho do Homem? Na verdade, não havia uma versão única para o fato. Para o rei, parecia “um filho dos deuses”.

Eis, pois, mais um caso bíblico.

Sirvo-me dele para convidá-las(os) a visitar o sítio do jornal eletrônico Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor,br), cuja edição de hoje publica o texto, de minha autoria, sob o título Outros casos de política.

Leiam-no. Eu lhes garanto que vale a pena.

Um abraço fraterno a todos.

 

RETALHO Nº 18 (28 de outubro de 2018)

E A VIDA CONTINUA…

Amigas e amigos,

Permitam-me ser um pouco mais seletivo. Por um momento apenas.

Escrevo, hoje, para pessoas com quem tive o prazer de me reencontrar, ontem, em meio às compras em supermercado popular, ali, nas proximidades do Mercado São Sebastião, onde costumo satisfazer meus mais puros desejos de homem do sertão, matuto de raiz. [Eu sou normal! Juro que sou!].

Assim, escrevo para o casal Jessyca e Filho, com quem desfrutamos – eu e família – de uma sólida amizade, semeada entre nós outros por Marylia Luciana e Costa Neto e cultivada em animados encontros no Cantinho Maluju, nos tempos em que lá floresciam a alegria, a felicidade e a saudável convivência. E se degustava uma cervejinha geladíssima… afinal, ninguém é de ferro.

Escrevo, também, para Daniel, o meu colega do curso de Letras da UFC, companheiro de travessias de aprendizagens e travessuras de meninos grandes, estas ambientadas no bosque Moreira Campos, aquelas em salas de aula da vetusta faculdade. Após cerca de vinte anos passados desde a profícua convivência estudantil, acadêmica, reencontro “o domador de feras no covil”, solícito como sempre, realizado como protagonista na arte de ensinar a língua pátria, prestes a concluir o doutorado. Estacionamos os nossos carrinhos num recuo providencial, entre pallets carregados, e desfilamos nossas memórias numa imaginária avenida iluminada. Lembramo-nos de nossos professores, em especial Paulo Mosânio – já na cátedra celestial – e Álber e Cristina e Américo e Hebe. Bons tempos, cujas lembranças nos rejuvenescem. A Daniel, o meu mais sincero abraço fraterno.

Escrevo para Adriano, o irmão de Marcos Alverne (já falecido, amigo-irmão dos meus tempos de salesiano), da menina-moça Dolores, morena da cor de canela e voz de quem nasceu pra comandar, de Sérgio e Arquimedes, personagens marcantes em brincadeiras e jogos dos nossos tempos de moleques, ele ainda sem “marra” para enfrentar desafios; filho de dona Fransquinha, exemplo de mãe, e do seu Zé Augusto, autodidata na escola da vida, de reconhecida inteligência, espirituoso contador de piadas. Até lembrei-me de uma. De português. Ei-la. Consta que um valoroso filho lusitano, ao saber da morte do pai, vítima de um ataque fatal de um jacaré, lá pras bandas do Norte, decidiu vir ao Brasil para o heroico cumprimento da justa vingança. Ao ali chegar, hospedou-se num quartinho de pensão no alto de um terceiro andar improvisado. Após um banho reconfortante, armou a rede ao pé da janela e destravou o corpo. Um animalzinho grudado à parede, na parte que encimava a porta de entrada, chamou a atenção dele. Meteu a mão no bolso da camisa e retirou um pedaço de papel onde alguém rabiscara a “foto” do animal assassino, confrontando-o com a pequena lagartixa. Ah, era uma lagartixa. Sentiu calafrios quando percebeu as parecenças. Sentou-se na rede e perguntou: Você é um jacaré? A lagartixa balançou a cabeça afirmativamente. Ele, então, fez a pergunta-chave: Foi você quem matou o meu pai? A lagartixa repetiu o mesmo gesto. Amedrontado com a situação, o quase-herói saltou de cabeça pela janela a fora. Era uma vez um gajo destemido, vingador. Ao Adriano, a certeza de que, juntos, ganhamos muito com este reencontro.

E, por falar em lagartixa, admiráveis leitoras e leitores, devo informá-las(os) de que o jornal eletrônico Segunda Opinião (www.segundaopinião.jor.br) publica, na edição de hoje, mais um texto de minha autoria, agora sob o título Eu sou normal!, versando sobre bicho de estimação e eleição.

Leiam-no. Eu lhes asseguro que vai valer a pena.

A todos, um abraço fraterno.

E que Deus cuide de todos nós! Amém.

 

RETALHO Nº 19 (22 de maio de 2020)

Amigas e amigos,

Houve uma época em que os estádios – hoje arenas –, construídos, eles e elas, com recursos públicos – sempre parcos para o essencial e fartos para o supérfluo –, numa febre instaurada pelo sucesso – apogeu?! – alcançado pelo futebol brasileiro no pós-conquista do tricampeonato no México, recebiam o nome de pessoas ilustres – políticos, na quase totalidade das vezes –, cujos sobrenomes, sempre usados no aumentativo, revelavam a expressividade da obra, daí o Almeidão, o Batistão, o Castelão, daqui e do Maranhão.

Consta que, no caso do gigante do Mata Galinha, projeto idealizado em Virgílio Távora que, num primeiro momento, se voltou para o “estímulo” do processo de aproximação habitacional Caucaia-Fortaleza, logo inviabilizado por envolver terras indígenas, tornou-se realidade em Plácido Aderaldo Castelo (alguém se lembra dele?), alguns admiradores de Quintino Cunha, cearense que reunia as principais características do homem cabeça-chata, teriam proposto que se homenageasse o impagável causídico itapajeense, não propriamente pelos méritos do indicado, mas pela “gozação” que representaria o uso do aumentativo do seu sobrenome.

Cearense é… é… fralda, como diria a madre superiora.

Os detentores do poder, ou porque desconfiaram do que encobria a proposta ou porque não podiam perder a oportunidade de manifestar suas capacidades inesgotáveis de puxa-saquismo, defenderam que se homenageasse o mandatário maior do momento. E, então, oficializou-se o nome Estádio Governador Plácido Castelo, ou seja, Castelão. [Até porque já dispúnhamos de um em homenagem a presidente da República, o Vargas, no coração do Benfica].

O Quintino, sem querer e sem saber, acabou provocando uma grave situação no colégio em que eu, adolescente (Saudades!) estudava, no final dos anos sessentas.

Se em vocês, amigas e amigos, isso despertar algum interesse pelo que houve exatamente, eu as(os) convido a um encontro saudável no sítio do Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor.br). Lá vocês terão acesso, entre outras produções de alto nível, ao texto A lei é dura, mas é lei, de minha lavra.

Para abrir o apetite, ou melhor, atiçar o interesse de vocês, eu lhes ofereço mais uma versão minha da quadra quintiniana:

Adeus, casinha da fome!

A vida virou um escarcéu:

Criei ferrugem nos dentes

E teia de aranha no carretel.

A todos, um abraço fraterno.

 

RETALHO Nº 20 (8 de julho de 2020)

VÊ AÍ SE EU ENTENDI…

Trata-se de conceito universal. O meu direito termina exatamente onde se inicia o direito do outro. Por extensão, obrigo-me a admitir que a minha liberdade se limita, inexoravelmente, no respeito ao outro – aí entendidas também todas as entidades, públicas ou privadas, legitimamente constituídas. Não me cabe, em hipótese alguma, avançar o sinal; e isso devia ser uma regra de ouro, ou seja, inquestionável, inflexível, irrevogável.

É o respeito, ou melhor, o respeito mútuo a base, o fundamento, a sustentação de todo saudável relacionamento humano. Ninguém detém a verdade absoluta, o que poderia torná-lo capaz de impô-la aos outros.

Há mundo para todo mundo; basta que não pretendamos invadir o espaço que ao outro de direito pertence.

Não se trata, a meu exclusivo entender, de algo que se possa rotular simplesmente de transigência, pois transigir, a rigor, equivale a tolerar, contemporizar. E isso é pouco. Trata-se, isto sim, de algo de maior profundidade, que atinge o mais recôndito do ser, o âmago, o íntimo, o espírito. E, por isso, exige compreensão, humildade e nobreza para apreendê-lo, em todos os seus limites, em todas as suas manifestações, como parte intrínseca de todo e qualquer relacionamento interpessoal.

Ninguém é uma ilha.

Comportemo-nos, pois, como parte de um gigantesco e exuberante continente, com todas as suas riquezas e belezas naturais, embora com todos os seus anfractos, os seus acidentes geográficos.

Um abraço fraterno a todos.

Ah, ia me esquecendo. Estou na edição de hoje do Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor.br) com o texto Pobres reflexões e breves notas sobre frases recolhidas de leituras minhas – Umas recentes; outras nem tanto.

Agraciem-me, amigas e amigos, com as suas visitas ao sítio do jornal eletrônico. Deleitem-se, então, com o saboreio de bons frutos que o rico e bem cuidado pomar vai lhes oferecer.

E um excelente resto de semana. Em casa, por óbvio e por enquanto.

 

RETALHO Nº 21 (9 de agosto de 2020)

A ESSÊNCIA DA VIDA

Amigas e amigos,

Lá atrás, entre o raiar dos primeiros sóis do ano – raquíticos, no mais das vezes – e o brotar furibundo e medonho do coronavírus, a assustar-nos surpreendentemente, a amedrontar-nos impiedosamente, a perscrutar diuturnamente o grau de temor que nós, mortais, temos da morte, eu escrevi, influenciado por vivência marcante para um quase septuagenário, três crônicas em sequência, todas sob o título A essência da vida, publicando as duas primeiras no jornal eletrônico Segunda Opinião (em 26 de janeiro e 5 de fevereiro, respectivamente) e reservando, de propósito, a última para fazê-lo exatamente hoje, 9 de agosto de 2020, dia consagrado aos Pais.

Apenas com uma necessária atualização, relativamente às citações de abertura e de fechamento, porquanto extraídas de obra que só agora concluo a leitura, exponho-a na minha vitrina favorita – o jornal já aqui referido, cujo sítio significativamente produtivo pode ser acessado pelo endereço www.segundaopiniao.jor.br  –, como a minha singela homenagem a um sujeito tão especial que, em relação à sua prole, mesmo usando máscara e em isolamento forçado, não se esconde, não se omite, não se mascara. No particular, não há vírus que o intimide.

Relembrando, mais uma vez e por oportuno, um dos ditos do seu Expedito – o meu saudoso pai, o meu herói, o meu amigo –, a quem devo a basilar construção, desde o alicerce, há mais de meio século, desta edificação bem peculiar que encerra a minha trajetória de vida, ora o reescrevo: Pai não é quem faz, afinal qualquer um disso é capaz. Pai é quem cria… e aí tem de ser muito macho, sabia?!.

E eu me permito complementar: PAI é quem participa do processo de fazimento, cônscio do que está fazendo, co-operando, algo que vai muito além do prazer; PAI é quem cria, forma, ensina, educa, cuida, guia, protege, medica, vela, abraça, beija, acolhe, agasalha, conforta, castiga, perdoa, reza, sorri, sofre, chora, observa, orienta, discute, compartilha, abençoa, torce, vibra, preocupa-se, realiza-se, disponibiliza-se, faz-se presente até nas ausências; em síntese, PAI é quem ama incondicionalmente, quer nas tristezas, quer nas alegrias, tanto nas adversidades e nos reveses quanto nas vitórias e nos sucessos.

Ser pai é, enfim, uma dádiva divina, um mandato deífico; é eternizar-se em sua humana existência.

Parabéns, a todos nós! Parabéns, aos pais de todos os dias!

E um abraço amigo a todas as filhas e todos os filhos por eles muito amadas e amados.

Ah, não deixem, amigas e amigos, de visitar-me no SO. Vão lá. Terei prazer em recebê-los. Compartilhem comigo o sabor de ler o que considero A essência da vida. Cliquem aqui: www.segundaopiniao.jor.br. Deleitem-se.

 

RETALHO Nº 22 (22 de agosto 2020)

O RISCO QUE CORRE O PAU, CORRE O MACHADO (*)

Para Millôr Fernandes, o carioca genial, o inventor do alfabeto era analfabeto. E isso parece óbvio, depois que alguém decifra.

Para mim, o baturiteense genioso (no sentido de “pavio curto” e na estrita e questionável concepção de alguns menos bafejados pela ventura), o crítico ferrenho, severo, implacável – e, o que é de todo imperdoável, generalizante – do servidor público deixa transparecer um-não-sei-quê de frustração – velada, abstrusa, subjacente –, certamente por não ter conseguido chegar lá também, no alto do Olimpo, no panteão, seja por incompetência, por displicência, por negligência ou por indolência.

Casos há que fogem ao padrão. É óbvio. Até no clero isso se verifica. Não é justo, porém, que se enodoe toda uma valorosa e valiosa categoria profissional por desvios comportamentais de alguns poucos que, não raras vezes, não cumpriram sequer todo o rigoroso rito formal para se tornar um autêntico servidor público.

De acordo com o mais ortodoxo dos manuais de conduta e modéstia às favas, eu soube ser: com esmero, com dedicação, com proficiência. Atraíram-me, não apenas a contraprestação pecuniária – oferecida de forma especial com o propósito de elevar o sarrafo na acirrada disputa por vaga e de recrutar, em meio à sempre renhida disputa com o mercado, os melhores com reconhecido potencial de crescimento –, mas também as chances de servir à sociedade, de ser-lhe útil. E assim, com tal desiderato, adentrei o universo do serviço público pela porta principal da então Fundação IBGE, onde desempenhei, com competência e honradez, a função de Agente de Coleta, até que me surgiu a oportunidade de alçar voos mais altos.

Orgulho-me de ter sido servidor público. Segui os passos do meu pai. Observei os seus ensinamentos. Um deles: Filho, nem sempre é você quem procura o trabalho; no mais das vezes, é o trabalho quem procura você. Dê-lhe, pois, o melhor tratamento que puder. Segui isso à risca… e não me arrependo; ao contrário, sinto-me realizado. Corro, entretanto, o risco de, identicamente a ele, levar pro túmulo algumas desilusões.

Abomino toda e qualquer atitude, de quem quer que seja, visando impingir-nos a mácula da desídia, da incúria e da inação; a pecha do descompromisso, da insciência e do descaso; a leviana, embora velada e furtiva, acusação de que somos o cancro a ser extirpado, o tecido enfermiço a ser esgarçado, a metástase a ser contida. Há até quem nos culpe pelos recorrentes desvarios governamentais de qualquer matiz.

Incomoda-me saber que sobre a minha cabeça pendula, desde os idos tempos dos “marimbondos de fogo”, a sempre amedrontadora espada de Dâmocles. Qualquer que seja o fenômeno a abalar a estrutura econômico-financeira do país, logo nos expõem nas vitrinas da res pública para que os desventurados nos lancem as pedras que puderam recolher nas suas inglórias e desditosas caminhadas. Se se fala em cortes de gastos públicos, lá estamos nós na ponta afiada da lança. Se se fala em rearranjo da máquina pública, lá estamos nós na mira do tecnocrata de plantão. Ocorre que o algoz que sente prazer em desqualificar-nos, rotulando-nos de sugadores de recursos do combalido erário, aufere, no mais das vezes, seus ganhos mediante esquema – legítimo que seja, apesar de injusto – que praticamente o isenta de impostos. E isso me faz lembrar a passagem bíblica a advertir o homem que repara o argueiro no olho do irmão, mas não percebe a trave que carrega no dele e que, por conseguinte, reduz-lhe a capacidade de enxergar. Hipocrisia pura!

Ora, você chora de barriga cheia!, exclamam incisivamente os arautos das finanças públicas, principalmente em momentos de crise. E, de outro modo e sem razão aparente, fazem tabula rasa dos ganhos dos rentistas, que nada produzem e se refestelam em mansões paradisíacas, e das isenções que premiam as grandes fortunas e as preservam como tais. E eu lhes respondo: os penduricalhos que tornavam o serviço público o mais atraente, o mais disputado dos empregos se extinguiram no curso da jornada; até a aposentadoria integral, em que investi, por que lutei bravamente por mais de quatro décadas, não resistiu à crueza das reformas e, há algum tempo, reduzem-na aviltantes contribuições previdenciárias, sem qualquer previsão de retorno. E a segurança do emprego?! Paguei por isso… e duplamente. Na fluidez do contrato, sendo proficiente. No término dele, não fazendo jus à poupança – o famoso fundo de garantia – então liberada ao servidor privado.

Vejam isso na prática: um amigo meu, funcionário do Banco do Brasil, ao aposentar-se adquiriu um carro importado – um SUV automático –, procedeu a uma boa reforma da casa própria e, segundo ele, deu uma boa engordada nas suas aplicações financeiras; eu, ao aposentar-me, recebi pouco mais de oito Epinephelus marginatus, ou seja, azuis garoupas verdadeiras, equivalentes ao saldo de minha conta do Pasep. Nada mais que isso.

Vou parar por aqui. Sem antes assinalar que, ao malcheiroso trombetear de flatulências palacianas a anunciar a iminência do fétido descarrego de excrementos oficiais, executivos ou congressuais, logo somos lembrados como se fôssemos o papel higiênico “ex officio” a ser usado na remoção das sujidades do orifício excretório. Argh!

Nota do autor:

(*) Título de texto publicado na edição de hoje do Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor,br).

 

RETALHO Nº 23 (28 de agosto de 2020)

UMA QUESTÃO DE FLOR (**)

Não sou analista político, nem nutro a mais ínfima pretensão de sê-lo. Eis um assunto que não me atrai; às vezes, até me causa engulhos no estômago e arrepios na alma, ante algumas possibilidades construídas por quem entende do riscado, por quem caminha firmemente pelos frementes meandros da política – onde proliferam sinuosidades, conchavos, apadrinhamentos, intrigas, traições, disfarces, enredos, desvios –, muitos dos quais infelizmente acabam se confirmando.

Não sou alienado, contudo. Não navego nessas águas, mas não desconheço totalmente leitos e margens por onde elas escoam; além disso, desfruto até de uma boa noção das sempre perigosas profundidades e ruinosas profundezas dos reservatórios artificiais em que elas decantam.

A minha leitura se assenta num ecletismo cujas amplitude e variedade me permitem singrar mares vários, procelosos e de calmaria, e, com habilidade e competência, atracar minha singela nau em portos os mais diversos. Universalizante, portanto, trata as obras de cunho político com a mesma naturalidade, volúpia e perspicácia com que se debruça sobre todas as outras, de quaisquer naturezas, propósitos e matizes.

É assim que acompanho, por exemplo, a sempre nevrálgica disputa presidencial norte-americana, a secular confrontação de dois gigantes – democratas e republicanos – pelo legítimo direito de administrar o mais expressivo orçamento público do mundo, a sempre intrigante corrida pela ascensão honorífica e histórica ao poder maior na mais emblemática e portentosa nação do mundo, e, assim, após desfrutar das honras de sentar-se à resolute desk no Salão Oval da Casa Branca e desincumbir-se das graves responsabilidades que o cargo encerra, incluindo o de poder apertar o invulgar botão vermelho, por um período de quatro ou oito anos, eternizar-se no panteão deífico das mais consagradas celebridades do universo político.

E a que se avizinha promete, apesar de envolver dois titãs já conhecidos do público votante – o republicano Trump, que alimenta o sonho da reeleição com a manutenção de um projeto que foge aos padrões tradicionais e que nada incorpora a dar-lhe revestimento ou essência vanguardista; e o democrata Biden, ex-vice-presidente na gestão Obama, que promete reconduzir a fluidez da vida americana ao seu leito natural. E os ânimos vão-se acirrando à medida que fatos pontuais, marcantes – pra não dizer estratégicos – dão novos contornos ao complexo jogo eleitoral. O mais recente e empolgante, além de provocador de ruidosa polêmica, compõe-se de traços bem especiais – é mulher, é negra, é multirracial, é multicultural, é senadora, é bela, é flor. E como se isso não bastasse, é boa de urna.

Com nome – Kamala (em sânscrito, significa “lótus”, a flor que “emerge das águas sujas, turvas, estagnadas”) Deci (divindade hinduísta) Harris – que, de per si, revela o caldo cultural das suas origens, com perfil de ativista, ex-procuradora atuante, defensora de imigrantes, com oratória qualificada, emerge como o fenômeno capaz de causar confusão entre os americanos, de perturbar a extrema-direita, de fazer tremer as bases trumpistas ou republicanas.

O tempo que ainda falta para o grande duelo final vai, certamente, produzir outros fenômenos. De igual intensidade, não se sabe; provavelmente, não. Por enquanto, Kamala surge como o fiel da balança que pende naturalmente para o lado dos democratas. Por enquanto, Trump sofre a maior das ameaças de vir a beijar a lona. Será, se for, o nocaute da arrogância, da prepotência. E, dessas águas turvas, emergirá uma belíssima flor de lótus; a um passo do poder maior. O futuro dirá.

Enquanto isso, o fenômeno brasileiro é marginal e se chama flor de lis.

Uma simples questão de flor.

Nota do autor:

(**) Título de texto publicado na edição de hoje do Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor,br).

 

RETALHO Nº 24 (6 de setembro de 2020)

PROPOSTA DE UM BOTÃO… (***)

Amigas e amigos,

Cumpre-me esclarecer, em especial àqueles que ocasionalmente demonstrem algum tipo de estranhamento, o que me levou à personificação de um simples botão, procedimento que, a princípio e por equívoco ou até por desconhecimento eventual, pode sugerir algum grau de absurdidade, contrassenso ou desvairamento na minha atitude de pretenso escritor, às vezes desmesurado e até inconveniente.

É pertinente consignar que, em literatura, personificação ou prosopopeia nomina uma das figuras de linguagem – ou estratégias de que o autor se vale para revestir a sua produção textual de efeitos que rompem com a linguagem usual, comum, atribuindo-lhe significação que vai além do sentido literal –, a qual consiste em atribuir a objetos inanimados ou seres irracionais sentimentos ou ações próprias dos seres humanos, racionais.

Também conhecido como “animismo”, por promover a animação – ato de dotar as entidades não-humanas de existência espiritual, de alma, enfim – dos personagens com o intuito de intensificar a expressividade textual, esse recurso literário, também usado em campanhas publicitárias, manifesta-se intensamente nos apólogos, em que geralmente cabe aos objetos inanimados protagonizar as ações (como, por exemplo, em A agulha e a linha, de Machado de Assis), bem como nas fábulas, em que o protagonismo é confiado a animais irracionais (aqui se torna obrigatório citar as Fábulas de Esopo – tais como a clássica O lobo e o cordeiro –, criadas por esse escravo grego do século VI a.C. e eternizadas pelo escritor francês Jean de La Fontaine).

Pois bem. No caso concreto – o de atribuir ao botão competências humanas –, também me valho de uma consagrada expressão popular, de domínio comum, qual seja, em versão primária, “Pensando com os meus botões”, de que brotam algumas variantes, tais como “Eu aqui com os meus botões” e “Em conversa (ou colóquio) com os meus botões”, todas revelando uma atitude de introspecção, de introversão, em que o indivíduo (“eu”) elabora uma análise íntima e reflexiva sobre si mesmo, como se os botões servissem de elo, de ponto de contato entre o olhar introspectivo, analítico, autocrítico e o interior mais profundo do ser, nas entranhas, lá onde a alma habita.

E isso me faz recordar os padres do meu tempo de infância, adolescência e juventude, e as suas batinas, no mais das vezes pretas, com carreiras de botões que desciam da base do pescoço até a altura dos também pretos sapatos. Será que isso contribuía para o alongamento e aprofundamento das suas reflexões? Haveria, por acaso, um botão específico para cada tipo de meditação? Provavelmente não!

Há que se concluir, portanto, ser comum dizer-se, quando se está pensativo, em recolhimento meditativo, que ocorre uma conversa silenciosa entre o indivíduo e ele mesmo, com os botões de entremeio.

E foi isso o que aconteceu comigo. Naturalmente. Nada mais que um momento de introspecção, na minha rede de varandas, os olhos cerrados e o “eu” criativo adejando por outros planos, mundo afora, logo após a costumeira leitura do fim de tarde, o sol já esmorecendo, acabrunhando-se, com um certo botão dando seguimento ao improvável interlóquio.

Se algum absurdo há, amigas e amigos, garanto-lhes não ter podido ele invadir esse tão peculiar relacionamento humano (de mim comigo mesmo!), recorrente – diga-se em reforço – neste período de isolamento social. Muito embora, o objeto da conversa encerre um milenar absurdo, tanto no construir-se quanto no perpetuar-se. Refiro-me aos sistemas absolutistas, autoritários, ditatoriais, abomináveis não apenas em relação às pseudo lideranças que se investem desse tipo de poder e submetem o seu povo a regimes de exceção, mas também aos apaniguados que dão sustentação a tais desvios de governança pública, os quais fazem sangrar a democracia até o fenecimento.

Revisito, por fim, uma das célebres frases atribuídas a Abraham Lincoln, com alguma aproximação ao pensamento de Nicolau Maquiavel: “Se quiser pôr à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.

Nota do autor:

(***) Título de texto publicado no jornal eletrônico Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor.br), edição de hoje.

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.