Centenário de José Alcides Pinto – Entrevista com Dimas Macedo

Osvaldo Araújo – O escritor José Alcides Pinto, conhecido também como JAP, nasceu em 1923, em Santana do Acaraú (CE). Em 2023 será o seu centenário de nascimento. Haverá um discreto esquecimento ou uma expressiva comemoração?

Dimas Macedo – Você foi muito sutil ao fazer a pergunta, pois esse escritor passou a dizer em suas notas biográficas, nas últimas décadas de vida, que tinha nascido em 1933. Isso fazia parte da sua personalidade. Sendo ele uma lenda viva, criou em torno de si as suas narrativas. Não haverá um discreto esquecimento, nem acontecerá uma expressiva comemoração, no sentido oficial, em face daquilo que ele realmente foi: um escritor fora dos circuitos acadêmicos, que pediu demissão das funções de Professor da UFC e do cargo técnico que exercia na delegacia regional do MEC para viver de forma franciscana e poder se dedicar à sua obra. Nunca quis entrar na Academia Cearense de Letras e dizia que tinha um temperamento antiacadêmico, o que era verdade.

Osvaldo – Há exagero na afirmação de que JAP foi um dos grandes escritores brasileiros do século XX?

Dimas – Não há exagero. Alcides Pinto foi um dos nossos melhores escritores, especialmente durante o século XX. Atuou como jornalista profissional no Rio de Janeiro, onde começou a publicar sua obra por expressivas editoras. Escreveu mais de 50 livros, dividindo-se entre a criação poética e o romance. Foi um dos líderes do Concretismo no Brasil e o principal introdutor desse Movimento no Ceará. Na área da ficção, destacou-se como adepto do realismo fantástico do romance latino-americano e terminou se tornando o seu principal representante no Brasil.

Osvaldo – O que merece destaque na obra de JAP? Ela é vasta? Diversa? Original?

Dimas – A obra de JAP é vasta, diversa e original. Nela, destacam-se a leveza estética, a capacidade de síntese, o domínio de muitas formas literárias, como o romance, o conto, a poesia, o teatro, a crítica literária, sem esquecer os seus ensaios sobre a linguagem da comunicação, reunidos no livro Comunicação: Ingredientes-Repercussão (1976).

Osvaldo – Entre romances desse cearense, quais seriam aqueles que você considera mais importantes?

Dimas – Alcides Pinto é autor de grandes romances, dente os quais, destaco, O Dragão (1964) e Os Verdes Abutres da Colina (1974), que integram, junto com a novela João Pinto de Maria: Biografia de um Louco (1974), a sua Trilogia da Maldição. Entre o Sexo: a Loucura a Morte (1968) e a Trilogia Tempo dos Mortos são igualmente momentos edificantes da sua obra de romancista.

Osvaldo – As novas gerações têm se interessado pela obra de José Alcides Pinto? Ele tem sido estudado por novos pesquisadores?

Dimas – José Alcides Pinto tem sido o escritor cearense do século XX mais estudado no Ceará, especialmente nos cursos de mestrado e doutorado em literatura, na UFC. A sua fortuna crítica já ultrapassa mais de uma dezena de livros, dentre os quais aquele que escrevi sobre a sua vida e a sua obra: A Face do Enigma – José Alcides Pinto e Sua Escritura Literária (Fortaleza: Instituto da Gravura do Ceara, 2002; 2ª ed. 2012), que se tornou uma referência na área dos estudos alcidianos.

Osvaldo – Por que se diz que JAP “é um poeta maldito, bucólico e visionário, diabólico e solitário…”

Dimas – “Poeta Maldito”, ele mesmo se intitulou, desde a publicação dos seus Cantos de Lúcifer, em 1966. Mas, contraditoriamente, JAP era um escritor de Fé e devotado à mística da tradição cristã do Ocidente. Ser diabólico, visionário e solitário era também característica desse grande poeta cearense. No cordel que escrevi acerca de JAP – Décimas a José Alcides Pinto (1984), eu fiz referências a essas dimensões da poesia alcidiana. Quando voltou a residir no Ceará, após temporada no Rio de Janeiro, Alcides passou a ter residências alternadas, entre Fortaleza e o distrito de São Francisco do Estreito, em Santana do Acaraú, onde se dedicava, igualmente, à leitura de escritos espirituais, tendo, inclusive, publicado um Diário de Sabedoria, em 2006.

Osvaldo – O que o livro Manifesto Traído, de 1979, traz como marca à obra de JAP?

Dimas – Manifesto Traído é um romance de caráter autobiográfico, aproximando-se da miséria humana que transparece na ficção de grandes escritores, e que Alcides Pinto experimentou nos seus primeiros tempos no Rio de Janeiro. Quando reeditou esse livro, em 1998, Alcides me convidou para fazer o prefácio, o que me deixou sensibilizado. Ele sabia da minha admiração por esse pequeno-grande livro de sua autoria.

Osvaldo – O que a obra de JAP diz sobre sua vida pessoal? Ou vice-versa… Sensualismo, o que essa palavra diz da literatura de JAP?

Dimas – Sobre a vida pessoal, sua obra diz muito. A verossimilhança é forte. Seus personagens, no geral, se confundem com seres que viveram no seu entorno. Quanto ao sensualismo, esse traço foi marcante, como podemos ver em Relicário Pornô (1982) e A Divina Relação do Corpo (1990).

Osvaldo – O que significa dizer que JAP, ao amadurecer, ficou mais calmo, sereno, espiritualizado?

Dimas – José Alcides Pinto é exemplo de um homem e de um escritor que venceu a si mesmo. Um dos seus últimos livros, Silêncio Branco (1998), é bem sintomático nesse sentido. As turbulências da sua vida interior serenaram e ele foi abandonando suas temáticas eróticas, mostrando-nos que estava sendo iluminado pela paz e a compreensão e que andava em direção a si mesmo, pois tinha alcançado a plenitude da vida e da experiencia, como acontece com os místicos.

Osvaldo – Você tem mais alguma observação a acrescentar e que julga importante para os leitores?

Dimas – Sim. Quero lembrar que José Alcides Pinto faleceu aos 84, em 02.06.2008, de forma drástica: ele foi atropelado por uma moto desgovernada, que invadiu a Praça Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. Na época, ele vinha dizendo para os amigos que seria colhido por um pássaro metálico. Alguns dias antes desse episódio, ele foi laureado com o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, a maior distinção conferida por aquela entidade. Morreu plenamente reconhecido, sendo sepultado no mesmo pequeno distrito em que nasceu.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

Mais do autor