Ele: Bom dia! Permita-me sentar aqui, neste banco da alegria, nesta praça da felicidade…
Ela: Bom dia! Não carece de permissão, estamos num lugar público. Sente-se e sinta-se à vontade.
Ele: Mil perdões! Há algum tempo tenho observado você. Posso chamá-la assim?!
Ela: Não vejo problema algum.
Ele: Ok! Como ia dizendo, eu venho aqui todos os dias. Eu gosto do que vejo, do que sinto aqui. E tenho observado – e apreciado – a sua alegria, que contagia as pessoas que a cumprimentam, que conversam com você.
Ela: Eu apenas vivo e, na medida do possível, convivo bem com o mundo. Não vejo nada de excepcional nisso.
Ele: Mas há… certamente há. Você consegue ser diferente. Devo confessar que, ao ver você, seu modo de tratar as pessoas, seu sorriso jovial, contagiante e desinteressado, esqueço até a solidão em que vivo metido há algum tempo e que, aos poucos, vai me impondo um ritmo de fim de festa…
Ela: Agradeço-lhe o jovial… eu, para ser absolutamente sincera, diria “sorriso sexagenário”.
Ele: Não se zangue comigo, mas mantenho o que disse…
Ela: Olhe, eu também já sofri com a solidão extrema, até que percebi quão sem sentido é deixar-me submeter ao jugo do passado. E é neste cantinho, nesta praça da felicidade – como você bem disse – que eu encontro gente, que eu me sinto como gente. Não sou uma ilha! Não quero ser uma ilha!
Ele: Invejo a sua forma de ver as coisas. Peço que entenda a forma como encaminho as minhas. Certo é que não dispomos de muito tempo, nós, os sexagenários solitários. Sou viúvo e vivo completamente sozinho. Faço-lhe uma proposta que, se você aceitar, não vai se arrepender.
Ela: Faça-a, pois.
Ele: Vamos unir as nossas solidões, as nossas alegrias. Esqueçamos os nossos passados e tentemos, juntos, construir um futuro só nosso.
Ela: Eu vou decepcionar você. Ah, vou! Jurei que não repartiria minha vida com mais ninguém. Já experimentei o que tinha de experimentar. Já vivenciei o que tinha de vivenciar. Foi assim com o primeiro marido, morto em um acidente automobilístico, numa curva assassina de estrada serrana, quando retornávamos da inesquecível segunda lua de mel, aos dez anos de feliz convívio. Foi assim com o segundo marido, morto em um assalto absurdo e violento, sem qualquer reação de nossa parte, numa das mais movimentadas avenidas desta megametrópole… e só estávamos há seis anos juntos. E foi assim com o terceiro, morto num infarto fulminante, após sairmos de um dos mais chiques restaurantes de um ponto turístico praiano, reconhecido internacionalmente, onde brindamos mais um ano de vida em comum. Após esse curto relato, o senhor acha, de sã consciência, que ainda tenho disposição para ir pro quarto?!
Ele: Perdoe-me pela sinceridade, mas eu prefiro continuar vivendo, mesmo que em meio à mais fria solidão. Foi um enorme prazer.
Eu: Será que a pior sorte do mundo é melhor do que morrer?
Ele: Eu hein! Na dúvida, estou fora!