Bolsonaro e o Presidencialismo de Coalizão: a governabilidade possível.

Estamos numa época de pandemia com um vírus novo, ainda incontrolável neste momento em que escrevo, que chega de surpresa e até abala temporariamente a ordem mundial, incluindo aí a economia e a geopolítica. Teses de guerra não convencional, como é da natureza das teorias conspiratórias, culpam as grandes potências: foi criado na China ou mesmo nos Estados Unidos. Daqui, de minha quarentena, não referendamos essas saídas sedutoras, mas vamos voltar ao tema do meu último artigo sobre a novidade da chegada da direita pelas eleições de 2018, no Brasil, onde o apresentamos como um “momento de inflexão da política brasileira“ pós-redemocratização da década de 1980  do século passado. Recebemos duas questões relevantes para se refletir. E esse é o objetivo desse artigo, escrito no momento em que a direita, vencedora nas eleições, também recebe o abalo da pandemia instalada pela Covid-19.

Nas eleições de 2018, com a surpresa da vitória da direita, a democracia brasileira também apresentou resultados significativos de mudanças institucionais, acumuladas nessas três últimas décadas que anteciparam o pleito. O momento foi disruptivo, segundo Sérgio Abranches, pois, segundo ele, “encerrou o ciclo político que organizou o presidencialismo de coalizão nos últimos 25 anos e acelerou o processo de realinhamento partidário, que já estava em curso, pelo menos desde 2006”.

Alexandre Aragão, analista também do Segunda Opinião, na leitura que realizou de meu artigo, levantou pertinentes questões sobre o Presidencialismo de Coalizão e observou a ausência de referênciaao golpe para compreender a crise. Sobre o Golpe, contudo, coincidentemente foi discutida e defendida recentemente pelo documentário: ”Democracia em Vertigem” que chegou a ser indicado para o Oscar deste ano e tem a ver com o impeachment de Dilma Roussel que está no limite da crise estabelecida. Sobre o Presidencialismo brasileiro, concordamos com Abranches  —  que o resultado das eleições acelerou o processo de realinhamento partidário, mas não foi fatal para o Presidencialismo de Coalizão.

Com a redemocratização brasileira, nos idos de 1980, foram mais de três décadas de hegemonia social-democrática, onde PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e PT (Partido dos Trabalhadores) se alternaram com candidatos à presidência da República. Não era o bipartidarismo americano e nem o modelo europeu, que possui por volta de dois a quatro partidos competitivos. Era um modelo nacional, hibrido desses modelos clássicos, por possuir características do americano e do europeu, como já discutimos aqui em oportunidades anteriores. São dois modelos de representação: na Câmara dos Deputados, o voto universal significa a representação do cidadão, a força da soberania popular, que está presente sobretudo em modelos europeus. Era a força do PT e do PSDB, nesse modelo, para arregimentar outros partidos satélites e garantir a governabilidade. Não é por acaso que eles nasceram em São Paulo, no A B C paulista, o Brasil moderno, industrial, da época; e no Senado, mais próximo ao modelo americano, o voto Federalista, representando os Estados da Federação. Era a força do PMDB e de partidos regionais, como PFL e PSB, no Nordeste, entre muitos outros, existindo ainda partidos mais ligados às lideranças de populistas, personalistas, e grupos de pressão, como os evangélicos, os representantes do agronegócio, entre muitos outros.

O sistema político brasileiro foi realmente institucionalizado como Presidencialismo de coalizão. Se o mandatário, o Presidente da República, tem o poder de executar as políticas sociais, o Congresso Nacional tem que referendar, como no Parlamentarismo. Neste último sistema quem executa as políticas públicas é o Primeiro Ministro, escolhido pelos Deputados e Senadores. A força do Congresso nestes dois sistemas está nos partidos políticos. O modelo brasileiro de partidos políticos é hibrido, como veremos adiante. No Presidencialismo brasileiro os partidos políticos são muito mais fragmentados que os modelos clássicos que inspiraram o modelo, como o Europeu e o Americano. Há, no Presidencialismo de coalização brasileiro, uma maior autonomia dos partidos por ser bastante fragmentado. Eles precisam ser cooptados na governança e são responsáveis pelas políticas do governo, como é normal também num Parlamentarismo de coalizão, como na Inglaterra, por exemplo. A fragmentação partidária no modelo brasileiro afeta a representação política, como veremos adiante.

Com a vitória da direita, com Bolsonaro, houve um esforço, nesse primeiro ano, para substituir a governança de coalizão com os partidos políticos que participaram de sua vitória por um governo mais técnico, sobretudo nos ministérios ligados à economia, um reforço aos militares muito forte e grupos de apoiadores, como religiosos evangélicos e empresariais. Uma orientação muito importante vem de Olavo de Carvalho, que mora nos Estados Unidos. E o que aconteceu? Sem uma coalizão partidária, representativa da sociedade civil, perdeu o apoio do Congresso, o verdadeiro aliado da governabilidade. O próprio partido de Bolsonaro, o Partido Social Liberal (PSL), que chegou como o maior partido no Congresso, como em Collor de Melo, fragmentou-se e Bolsonaro não conseguiu número com os apoiadores para organizar um novo partido, a Aliança.

Uma guerra viral, com um vírus novo, o Corona 17, o mundo começa a se sentir mais igual, um valor que ronda a sociedade liberal. Já provocou uma mudança na política econômica nos Estados Unidos, forçando uma “guinada Keynesiana” no governo, a princípio liberal, de Trump. Estamos em tempo de sinais e só a história saberá se as pessoas valorizarão novamente a vida comunitária, ou se a competitividade transformará novamente num individualismo. Mas tudo indica que será apenas uma pausa para reflexão. Essa crise de representação nos partidos políticos que a humanidade passa terá um motivo para se repensar esse clima de ódio e recuperar a solidariedade que Rousseau sonhou um dia.

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.