Boas notícias impressas em papel, por Luís-Sérgio Santos

A quantidade de lançamentos editoriais em livro impresso é algo absolutamente animador ainda mais em país como o nosso onde historicamente as baixas tiragens encarecem o preço unitário do livro no ponto de venda. Mas, mesmo em uma conjuntura adversa, percebe-se claramente um aquecimento no mercado editorial do livro refletindo discretamente o boom internacional nos mercadores dos Estados Unidos e da Europa. No Brasil, o negócio acena com tanto potencial que investidores internacionais se apressam em participar como acionistas das grandes editoras brasileiras adquirindo parte do seu controle.

De Harry Potter às biografias de toda ordem, os lançamentos se sucedem. Nos últimos dias foram lançadas duas esperadas biografias, a de Zózimo Barrozo do Amaral, o jornalista que influenciou tantas gerações a partir das páginas no emblemático Caderno B, do Jornal do Brasil; e a de Roberto Civita, o sucessor de Victor Civita na poderosa Editora Abril. A de Zózimo vem assinada por Joaquim Ferreira dos Santos e a de Civita vem assinada por Carlos Maranhão, todos contemporâneos sendo que foi o próprio Roberto quem, quando vivo, provocou Maranhão para escrever sua história. São livros que se alinham ao trabalho de Carlos Marchi sobre Carlos Castello Branco, com dois “elles” no Castello, diferente do seu primo general que só assinava Castelo com um “elle”. Pois “Todo aquele imenso mar de liberdade” que narra a travessia do baixinho e destemido piauiense até a Academia Brasileira de Letras mas, principalmente, à “Coluna do Castello”, também no mesmo Jornal do Brasil de Zózimo, ganha duas excelentes companhias donde se constata que jornalista não é somente narrador também personagem. Temo que as novas gerações desconheçam de graduados em jornalismo todos eles assim como desconhecem Alberto Dines, Helio Fernandes, Samuel Wainer. São raras as exceções como tenho constatdo por recorrência profissional.

Não é coincidência que os biografados brotaram e se impuseram profissionalmente em grandes casas editoras. O Jornal do Brasil é, certamente, o jornal que mais influenciou jornalistas e jornais no Brasil a partir do final dos anos 1950 quando fez uma radical reforma gráfica e uma grande reengenharia na redação e nas oficinas. Por uma decisão empresarial decidiu refundar-se e trouxe para seus quadros profissionais que viraram referências na imprensa brasileira. Zózimo viceja anos mais tarde, neste ambiente fecundo que abriu espaço para dois grandes jornalistas cearenses, Rangel Cavalcante e Egídio Serpa, entre outros, que chegaram a fundar aqui, ao lado de Rodolfo Spínola (O Estado de S. Paulo) e de Edmundo Maia (Última Hora), o Clube dos Correspondentes. O impávido Edmundo Maia chegou mesmo a “furar” os jornais locais no episódio da morte do ferroviário José Nobre Parente. No JB também se impunham os talentosos cearenses Mário Pontes, critico literário, articulista  e editorialista; e Marcelo Pontes que chegou a ser editor executivo do jornal.

Zózimo cunhou a expressão repetida ad nauseam naqueles tempos, “ganha-se pouco, mas é divertido”. De fato era divertido ainda mais porque perto das redações instalava-se sempre um bar. Hoje, essa tradição resiste apenas em poucos lugares, na Alameda Barão de Limeira, certamente. Sabe-se também da origem da palavra “passaralho”, narrada por Joaquim Ferreira dos Santos. Seu xará Joaquim Campelo era o autor: “criou-a durante uma bebedeira com o colega Jorge Cabral, num bar do Flamengo. Os dois conversavam sobre as demissões que, em 1973, sucederam-se à saída de Alberto Dines. No voo livre das ideias, os dois juntaram pássaro com você-sabe-o-quê e deu-se o sinônimo para demissões em massa. Outra palavra inventada por Campelo foi “pré-estreia”, a partir de avant-première. Era o tempo em que os jornalistas brincavam com as palavras.”

São livros deliciosos a ponto de termos que reduzir o ritmo da leitura, pra não acabar logo. O de Carlos Maranhão tem uma narrativa espetacular. É um livro isento e, como seus pares aqui citados, não se preocupa em santificar a personagem titulo. Parece ser um retrato fiel de Roberto Civita e narra, com detalhes, o dia em que ele sacrificou uma matéria de capa da revista Exame, atendendo a um amigo e também credor nos tempos em que a Abril comeu o pão que o diabo amassou. O amigo era Joseph Safra.

Esses eventos editoriais aqui citados são apenas algumas das boas notícias para afagar o espírito e mostrar que o papel continua sendo o suporte cheio de dignidade para quem gosta de ler. De Harry Potter a O Quinze, de Rachel de Queiroz. Por falar em Rachel, quão bela  é esta nova edição de sua obra prima, que chegou agora às livrarias. A nova edição, em capa dura e com belíssimo projeto gráfico, traz um acervo iconográfico, inclui um glossário e fortuna critica. Sai  com selo Editora José Olympio, que agora é da Editora Record.

  • Luís-Sérgio Santos é jornalista e professor da UFC.

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